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sábado, 27 de março de 2010

Os Filósofos e suas Teorias

Idade Antiga

Tales de Mileto (624 – 550 a.C.), grego. Expoente do “monismo”; é considerado o primeiro filósofo ocidental. Tales diz que o princípio de todas as coisas é a água, sendo talvez levado a formar essa opinião por ter observado que o alimento de todas as coisas é húmido e que o próprio calor é gerado e alimentado pela humidade.

 Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.), grego. Deu continuidade à busca de “Tales” da substância universal, argumentando que tal substância não precisa se parecer com nenhuma outra conhecida. Anaximandro acreditava que o princípio de tudo é uma coisa chamadaaápeiron, que é algo infinito, tanto no sentido quantitativo (externa e espacialmente), quanto no sentido qualitativo (internamente). Esse apeiron é algo insurgido (não surgiu nunca, embora exista) e imortal.

 Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C), afirma também que uma só é a natureza subjacente, e diz, como aquele, que é ilimitada, não porém indefinida, como aquele (diz), mas definida, dizendo que ela é Ar. Diferencia-se nas substâncias, por rarefacção e condensação. Rarefazendo-se, torna-se fogo; condensando-se, vento, depois, nuvem, e ainda mais, água, depois terra, depois pedras, e as demais coisas provêm destas. Também ele faz eterno o movimento pelo qual se dá a transformação.”

 Sócrates (c. 470 – 399 a.C.), grego. Desenvolveu o “método maiêutico de investigação”, sendo sua filosofia difundida por seu aluno Platão.

 Heráclito de Éfeso (533-475 a.C.), grego. Opõe-se ao conceito de uma realidade única e dizia que a única coisa permanente é a mudança.

 Empédocles de Agrigento (490-430 a.C.), grego. Acreditava que havia quatro substâncias irredutíveis (água; fogo; terra e ar) e duas forças (amor e o ódio).

 Parmênides de Eléia (495 a.C.), grego. Membro da escola eleática, e formulou a doutrina básica do “idealismo”.

 Zenão de Eléia (c.495- 430 a.C.), grego. Argumentava que a pluralidade e a mudança são aparências, não realidade.

 Protágoras de Abdera (481-411 a.C.), grego. Relativista e humanista, duvidou da capacidade humana de alcançar a verdade absoluta.

 Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C.), grego. Iniciou a tradição no pensamento ocidental de explicar o universo em termos mecânicos. Acreditava que toda matéria era composta de pequenas partículas indivisíveis chamadas átomos.

 Antístenes (450 – 360 a.C.), grego. Líder do grupo conhecido como “Cínicos”, ressaltava a disciplina e o trabalho como um bem essencial.

Platão (428 – 347 a.C.), grego. Fundador da Academia de Atenas, desenvolveu o “idealismo de Sócrates”[1] e foi professor de “Aristóteles”. Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contacto permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A primeira é a realidade imutável, igual a si mesma. A segunda são todas as coisas que nos afectam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis e são imagens das realidades inteligíveis.

 Aristóteles (384 –322 a.C.), filósofo e cientista grego. Seus trabalhos influenciaram toda a filosofia ocidental. Propunha a existência de quatro factores na relação casual: “forma; matéria; motivo, que produz mudanças, e o fim, pelo qual ocorre um processo de mudança”.

 Pirro de Élis (365 – 275 a.C.), grego. Iniciou a escola céptica de filosofia. Acreditava que o homem não poderia saber nada com certeza.

 Epicuro (341 – 270 a.C.), grego. Adepto do atomismo e hedonismo, entendia que o critério da verdade está na sensação.

 Zenão de Cítio (335 – 263 a.C.), grego. Líder dos estóicos, assim chamados, pois se encontravam em “Stoa Poikile” (Portal Pintado), em Atenas. Zenão pregava que o papel do homem era aceitar a natureza e tudo o que ela oferece, “de bom ou mau”.

 Plotino (205 – 270), romano. Principal expoente do “neoplatonismo”, uma interpretação dos ensinamentos de Platão que posteriormente combinou-se com idéias cristãs.

 Santo Agostinho (354 – 430), norte-africano. Foi uma das pessoas de maior influência sobre o pensamento medieval cristão, “Agostinho”, acreditava que Deus transcende a compreensão do ser humano.

 Boécio (c.480 – 524), estadista romano. Em “A Consolação da Filosofia”, Boécio propôs que apenas a virtude é constante.

 Idade Média

Avicena (980 – 1037). Discípulo árabe de “Aristóteles” e do neoplatonismo cujos trabalhos despertaram interesse por Aristóteles na Europa do séc.XIII.

Santo Anselmo (1033 – 1109). Agostiniano e realista italiano famoso por sua prova da existência de “Deus”.

Abelardo (1079 – 1142). Teólogo e filósofo francês cujo nominalismo antagonizou a Igreja.

Averróis (1126 98). Grande filósofo da Espanha islâmica e principal comentador de Aristóteles. Considerava a religião como alegoria para o homem e a filosofia, o caminho para a verdade.

Maimônides (1135 – 1204). Judeu, estudioso de Aristóteles que tentou combinar o ensinamento “aristotélico com o bíblico”.

São Tomás de Aquino (1225 – 74). Filósofo escolástico italiano que estabeleceu um paralelo entre Aristóteles e a Escritura, com base na concepção de que a fé e a razão são concordantes. Sua doutrina filosófica é conhecida como tomismo.

Período Moderno

Desidério Erasmo (1466 – 1536), holandês. O maior dos humanistas, ajudou a difundir ideias renascentistas no norte da Europa.

Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), italiano. Maquiavel colocava o Estado como o poder supremo nos assuntos humanos. Seu livro “O Príncipe” trouxe-lhe reputação pelo cinismo amoral.

Francis Bacon (1561 – 1626). Estadista e filósofo da ciência inglesa. Em seu principal trabalho, “Novum Organum”, Bacon buscou renovar o sistema indutivo de lógica na interpretação da natureza.

Thomas Hobbes (1588 – 1626). Materialista inglês que acreditava ser a guerra o estado natural do homem. Em “Leviatã”, Hobbes traçou uma teoria de governo humano em que o estado e a subordinação do homem a ele formam a única solução para o egoísmo humano.

René Descartes (1596 – 1650). Dualista, racionalista e teísta francês cujo sistema “cartesiano” é a base de grande parte da filosofia moderna. Desenvolveu uma teoria de conhecimento que fundamenta a ciência e a filosofia modernas, com base na certeza da proposição “Penso, logo existo”.

Blaise Pascoal (1623 – 62). Teísta francês que afirmava que os “sentidos e a razão” são mutuamente “enganosos”, que a “verdade está entre o dogmatismo e o cepticismo”.

Bento de Spinoza (1632 – 77). Metafísico racionalista holandês que desenvolveu as ideias de “Descartes” mas, rejeitava seu dualismo.

Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646 – 1716). Idealista e absolutista alemão cujo optimismo foi ridicularizado por “Voltaire” em “Cândido”. Afirmava que a realidade consiste em unidades de força chamadas “mónadas”.

George Berkeley (1685 – 1753). Idealista e teísta anglo-irlandês, que pregava que as coisas existem apenas enquanto percebidas e que a ideia de matéria é contraditória.

David Hume (1711 – 76). Empirista, filósofo e historiador escocês, que desenvolveu as ideias de “Locke” em sistema de cepticismo. De acordo com Hume, “o conhecimento humano é limitado à experiência de ideias e sensações cuja verdade não pode ser verificada”.

Jean-Jacques Rousseau (1712 – 78). Filósofo social e político francês, que definia um “retorno à natureza” para combater a desigualdade causada pela sociedade civilizada.

Immanuel Kant (1724 – 1804). Alemão, fundador da “Filosofia Crítica”. Inicialmente influenciado por “Leibniz” e depois por “Hume”, buscava um enfoque alternativo ao racionalismo do primeiro e ao cepticismo do segundo. Na “ética”, formulou o “imperativo categórico” que afirma: o que é aplicado a um dever, ser aplicado incondicionalmente a todos.

Jeremy Bentham (1748 – 1832). Utilitarista inglês que, como Kant, acreditava que os interesses do indivíduo concordam com os da sociedade. Considerava “o prazer e a dor”com motivação da acção correcta.

Johann Gottlied Fichte (1762 1814), alemão. Formulou uma filosofia do “idealismo absoluto”, baseada nos conceitos “éticos de Kant”.

Filósofos do Século XIX

George Wihelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), Alemão. Seu sistema metafísico era racionalista, historicista e absolutista, baseado na doutrina de que “o pensamento e o ser são o mesmo”, e que a natureza é a manifestação de um “Espírito Absoluto”.

Arthur Schopenhauer (1788 –1860). Idealista alemão que atribuiu à vontade um lugar de destaque em sua metafísica. Principal expoente do pessimismo, e rejeitava o idealismo absoluto e pregava que a única atitude sustentável está na completa indiferença a um mundo irracional. Afirmava que o ideal maior era a negação do querer-viver.

Auguste Comte (1798 - 1857), francês, fundador do positivismo, um sistema que negava a metafísica transcendente e afirmava que a “Divindade e o homem eram um só”; que o altruísmo é o dever maior do homem e que os princípios científicos explicam todos os fenómenos.

Ludwig Feuerbach (1804 –1872), alemão. Argumentava que a religião era uma projecção da natureza humana. Influenciou Marx.

John Stuart Mill (1806 –73) . Expoente inglês do utilitarismo; diferenciava-se de Bentham ao reconhecer diferenças na qualidade e quantidade de prazer. Sobre a “Liberdade” é seu mais famoso trabalho (1859).

[1] Tal concepção de Platão também é conhecida por Teoria das Ideias ou Teoria das Formas.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Pelo Conselho Municipal da Beira à Assembleia da autarquia

Frelimo, Renamo e GDB exigem apresentação do plano estratégico

As três bancadas que compõem a Assembleia Municipal da Beira (AMB), designadamente Frelimo, Renamo e GDB juntaram-se ontem para exigir ao presidente da autarquia, Daviz Simango, a apresentação, em plenária, do plano estratégico da urbe orçado em 400 milhões de dólares.
Trata-se do plano apresentado aos doadores em Fevereiro findo em conferência de investidores, para a implementação de várias actividades de desenvolvimento, com enfoque para a resolução da problemática da erosão costeira.
Josefo Nguenha, chefe da bancada da Frelimo, afirmou ontem que, ao apresentar o plano estratégico aos doadores sem consulta à AMB, o Conselho Municipal, sob liderança de Daviz Simango, “atropelou gravemente” o regimento da AMB, concretamente o artigo 28, alínea “c”, que refere que os projectos da autarquia deverão ser aprovados pelo referido órgão deliberativo, situação que não aconteceu.
“A AMB foi surpreendida na conferência de investidores com a apresentação do plano estratégico. Para além de ter atropelado o regimento da AMB, Daviz Simango atropelou a Lei 2/97, pois não fez a auscultação sociedade civil. Não queremos entrar em choque político, mas Daviz Simango deve respeitar a Assembleia representado por três bancadas” — disse Nguenha, afirmando que os doadores foram burlados pela edilidade.
Mas, Josefo Nguenha explicou que a batalha não está perdida, pois, “através de canais próprios de canalização do dinheiro, serão accionados mecanismos devidos para fazer ver a necessidade de consultar a Assembleia”.
Nguenha disse mesmo não se saber quais as reais intenções do edil em relação ao pedido de dinheiro aos doadores. “Se o presidente for a usar os fundos para fins ilícitos, a Assembleia estará atenta e fará uma fiscalização a pente fino” — garantiu, referindo que a sua bancada exige a apresentação do plano estratégico para o conhecimento dos membros do órgão.
“O presidente da edilidade vai a tempo de apresentar o plano em plenária, para que a Assembleia faça a sua ratificação, os seus questionamentos. Portanto, sabemos que será banho de um pato que não vai molhar” — considerou Nguenha, dando a conhecer que, através das comissões respectivas, Daviz Simango será obrigado a apresentar o projecto à Assembleia.
Sobre o mesmo assunto, a Renamo, na voz do respectivo chefe de bancada, Noé Marimbique, considera de errada a atitude do CMB, pois que, antes de apresentar o plano aos doadores, deveria depositá-lo na Assembleia para a sua apreciação.
“O que aconteceu foi uma surpresa para nós os fiscalizadores e o CMB podia ter evitado isso, apresentando o plano a plenária” — indicou Noé Marimbique.
Questionado sobre os mecanismos que a sua bancada irá accionar para reverter a situação, Marimbique explicou que a edilidade deverá melhorar o seu relacionamento com a Assembleia, dado que o objectivo, segundo suas palavras, é de servir os munícipes e “julgo que Daviz Simango deverá arranjar um momento para apresentar o plano aos membros”.
Por seu turno, o chefe da bancada do GDB, Baptista Raposo, instado a pronunciar-se sobre o assunto, referiu que na verdade, o CMB pecou ao não ter feito chegar o plano estratégico à Assembleia Municipal.
“Não há coordenação entre o CMB e a AMB. A nossa bancada faz votos para que Deus ilumine Daviz Simango a mudar de comportamento, porque a Beira não vai andar desta maneira, pois a consulta faz bem” — disse Raposo, o qual afirmou que o posicionamento da sua bancada será feito adiante, pois “precisamos ver o que vai acontecer”.
De referir que além da Frelimo, Renamo e GDB, a Assembleia Municipal da Beira tem mais dois membros, nomeadamente do PIMO e do PDD

Governo desactiva “alerta vermelho”

O Governo desactivou ontem o “alerta vermelho”, que vinha vigorando há duas semanas nas bacias hidrográficas do Búzi, Púnguè e Zambeze. A desactivação foi anunciada ainda ontem, em Caia, Sofala, pelo director-geral adjunto do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), Casimiro de Abreu.
Casimiro de Abreu explicou que, como aconteceu quando da activação daquele sinal, que significa uma emergência total, a medida foi tomada pelo Conselho de Ministros (CM), reunido numa das suas sessões, após ter analisado a actual situação das inundações naquelas bacias.
Assim, voltou a vigorar o “alerta laranja”, segundo Casimiro de Abreu, que sinaliza que o país deve ficar preparado para um eventual surgimento de fenómenos calamitosos, a exemplo de ciclones, tremores de terra e ou ainda as cheias, visto que ainda a época chuvosa continua.
A nossa Reportagem constatou que logo após o anúncio da desactivação do “alerta vermelho”, os funcionários e outros despiram os coletes também vermelhos, usando os alaranjados, cor que coaduna com o actual cenário.

segunda-feira, 22 de março de 2010

História da Filosofia e História das Idéias

A natureza da filosofia pode ser apreendida mediante dois contrastes: com a ciência, por um lado, e com a teologia, por outro. Comummente, a ciência constitui o domínio da investigação empírica; ela origina-se da tentativa de compreender o mundo como o percebemos, predizer e explicar eventos observáveis e formular as "leis da natureza" (caso existam), consoante as quais o curso da experiência humana deve ser explicado. Qualquer ciência produzirá uma quantidade de questões que ultrapassam o alcance de seus próprios métodos de pesquisa e que, por conseguinte, ela não poderá resolver. Consideremos a questão, extraída de algum episódio considerado notável: "Que causou isso?" Provavelmente, uma resposta científica deve ser formulada em termos de eventos e condições precedentes, juntamente com certas leis ou hipóteses que articulem o evento a ser explicado com os eventos que o explicam. Entretanto, poderemos fazer a mesma pergunta com relação a esses outros eventos e, caso se respondesse do mesmo modo, pelo menos potencialmente, as séries causais poderiam prolongar-se eternamente, regredindo ao infinito. Percebendo tal possibilidade, poderíamos ser levados a perguntar: "Que causou a existência das séries?", ou, ainda mais abstractamente, "Por que devem existir eventos?"; ou seja, não apenas por que deveria haver este ou aquele evento, mas por que existe alguma coisa? Naturalmente, a investigação científica que nos leva do que é dado ao que o explica pressupõe a existência de coisas. Consequentemente, ela não pode resolver essa questão mais abstracta e intrincada. Trata-se de uma questão que parece ultrapassar a pesquisa empírica e, não obstante, simultaneamente dela provir de modo natural. A própria ciência não proporcionará a resposta, mas não parece absurdo sugerir que pode haver uma resposta.

Constantemente, descobrimos que a ciência produz questões que ultrapassam sua própria capacidade de resolvê-las. Têm-se chamado tais questões de metafísicas; elas constituem uma parte distinta e inevitável do objecto da filosofia. Ora, considerando 0 problema metafísico particular que mencionei, poderíamos recorrer a um sistema teológico autoritário. Poderíamos encontrar sua resposta ao invocar Deus como causa primeira e meta final de todas as coisas. Porém, se tal invocação se basear somente na fé, ela não poderá pretender outra autoridade racional além da que se pode atribuir à revelação. Quem recorre à fé para solucionar tal problema, e não questiona a validade de seu proceder, possui, de certo modo, uma filosofia. Tal pessoa apoia sua alegação numa doutrina metafísica, mas expressa essa doutrina dogmaticamente, ou seja, tal doutrina não é, para ela, nem a conclusão de um argumento embaçado nem o resultado de especulação metafísica. É simplesmente uma ideia aceita, que tem o mérito intelectual de produzir respostas a quebra-cabeças metafísicos, mas com a peculiar desvantagem de não acrescentar qualquer autoridade àquelas respostas que não esteja contida na suposição dogmática original.

Qualquer tentativa de proporcionar uma base racional para a teologia constituir-se-á, pela mesma razão de que a teologia provê respostas para questões metafísicas, numa forma de pensamento filosófico. Portanto, não surpreende o fato de que, embora a teologia isoladamente não seja filosofia, a questão da possibilidade da teologia tem sido, e até certo ponto ainda e, a principal questão filosófica.

Além das questões metafísicas do tipo a que me referi, existem outras questões que têm algum direito prima facie a ser consideradas filosóficas. Particularmente, existem questões de método, exemplificadas pelos estudos de epistemologia (teoria do conhecimento) e de lógica. Assim como a investigação científica pode chegar ao ponto de se tornar metafísica, seu próprio método pode ser questionado mediante repetidas indagações acerca dos fundamentos de cada asserção particular. Desse modo, a ciência dá origem inevitavelmente aos estudos de lógica e de epistemologia e, caso nos inclinemos a dizer que as conclusões de tais estudos são vãs ou sem sentido, ou que suas questões são irrespondíveis, tratar-se-á de uma opinião filosófica, tão carente de argumentação como as alternativas menos cépticas.

Aos estudos metafísicos, lógicos e epistemológicos devemos acrescentar os éticos e de filosofia política, visto que, também aqui, tão logo somos levados a investigar a base de nosso pensamento, somos impelidos a níveis de abstracção em que nenhuma investigação empírica pode proporcionar resposta satisfatória. Por exemplo, embora concebamos que um comprometimento com um princípio moral que proíba o roubo envolva o ato de não roubar em qualquer ocasião particular, também reconhecemos que o caso de um homem esfaimado que rouba um pão de alguém que não precise deve ser considerado diferentemente do de um homem rico que rouba o objecto mais precioso de alguém. Mas por que consideramos tais acções de modo diferente como reconciliamos tal atitude com a fidelidade ao principio original e como justificamos o próprio princípio? Todas essas questões conduzem-nos a regiões distintamente filosóficas; os âmbitos da moralidade, da lei e da política ficarão para trás, e nos veremos buscando abstracções, amiúde pouco convencidos de que elas sejam suficientes para sustentar um sistema de crenças, e novamente desejosos de nos refugiar em dogmas teológicos.

Então, o que distingue o pensamento filosófico? As questões formuladas pelos filósofos têm duas características peculiares, a partir das quais poderíamos começar a caracterizá-las: a preocupação com a verdade. No que tange à abstracção, quero, em linhas gerais, dizer que as questões filosóficas surgem no fim de todas as outras pesquisas, quando as questões acerca de coisas particulares, eventos e dificuldades práticas são solucionadas de acordo com os métodos disponíveis, e quando esses próprios métodos, ou alguma doutrina metafísica que sua aplicação parece pressupor, são questionados. Assim sendo, os problemas filosóficos e os sistemas destinados a resolvê-los são formulados em termos que tendem a se referir aos domínios da possibilidade e da necessidade e não ao da realidade, ou seja, ao que poderia e ao que deveria ser e não ao que é.

A segunda característica - a preocupação com a verdade - poderia parecer óbvia demais para que valesse a pena mencioná-la. Porém, é facilmente esquecida, e quando tal acontece a filosofia corre o risco de degenerar em retórica. As questões formuladas pela filosofia podem ser peculiares pelo fato de não terem resposta; e alguns filósofos têm-se inclinado a pensar assim. Entretanto, elas, não obstante, são questões, de modo que qualquer resposta deve ser avaliada pelas razões alegadas para se caracterizá-la como verdadeira ou falsa. Se não existem respostas, então todas as respostas putativas são falsas. Mas se propusermos uma resposta, deveremos apresentar razões para que ela seja crível.

Ao longo das páginas deste livro, deparar-nos-emos com vários autores e escolas de pensamento que se têm baseado no que se poderia chamar de "metafilosofia", isto é, em alguma teoria que se refira à natureza do pensamento filosófico, destinada a explicar como pode haver uma disciplina intelectual totalmente abstracta e, não obstante, dedicada à busca da verdade. Tais metafilosofias tendem a ser de um ou de outro tipo, conforme sustentem ser a especulação ou a análise a meta do pensamento filosófico.

Diz-se - seguindo a tradição de Platão e Pitágoras - que a filosofia adquire seu carácter abstracto porque consiste no estudo especulativo de coisas abstractas, particularmente de certos objectos ou certos mundos, inacessíveis à experiência. Tais filosofias devem, provavelmente, denegrir a investigação empírica, alegando que ela só revela meias verdades, já que apenas estuda as aparências, ao passo que a filosofia especulativa possui a superior virtude de alcançar o domínio da necessidade onde o verdadeiro conteúdo do mundo (ou o conteúdo do verdadeiro mundo) é revelado. Outros julgam que a filosofia alcança a abstracção não porque especule acerca de algum outro mundo mais elevado, mas porque se ocupa da tarefa mais mundana da crítica intelectual, ao estudar os métodos e metas de nossas formas específicas de pensamento, a fim de atingir conclusões concernentes aos seus limites e validade. Uma abstracção é apenas abstracção do - a partir do - particular; não é abstracção concernente a algo mais, e menos ainda a algum outro domínio de ser. Quanto à busca da verdade, que é imediatamente explicada como uma extensão do desejo de determinar o que se pode conhecer e o que se pode provar - a verdade filosófica é simplesmente a verdade acerca dos limites do entendimento humano.

Essa filosofia analítica ou crítica, expressa de modo mais notável nos escritos de Kant, tem também dominado a filosofia anglo-saxônica ao longo deste século, ao assumir a forma especial de análise "conceitual" ou "lingüística". Todavia, a história do assunto sugere que, em termos de filosofia, a análise, por mais consideração que se tenha por ela, sempre acarreta o desejo de síntese e especulação. Por mais exígua que uma filosofia particular possa parecer à primeira vista, por mais que pareça mero jogo verbal ou variação lógica, muito provavelmente ela conduzirá, mediante passos persuasivos, a conclusões cujas implicações metafísicas são tão inalcançáveis quanto as de qualquer dos grandes sistemas especulativos.

Aleguei ser uma característica essencial do pensamento filosófico o fato de que ele deve ter como meta a verdade. Porém ante a desconcertante variedade das conclusões, as contradições dos métodos e a obscuridade das premissas dos filósofos, o leitor comum pode muito bem achar que tal meta é irrealizável ou na melhor das hipóteses, uma pia esperança e não uma intenção séria. Certamente, ele dirá que, se existe algo como a pesquisa filosófica, que visa a verdade e a produz, então deveria haver progresso filosófico, premissas aceitas e conclusões estabelecidas; em suma, o tipo de constante tendência a cair em desuso por parte de sucessivos sistemas que observamos na ciência natural, quando novos resultados são estabelecidos e se subvertem os antigos. Contudo, não é isso que constatamos; as obras de Platão e Aristóteles são agora estudadas tão seriamente como nunca foram, e é tarefa de um filósofo moderno, assim como era para os pensadores contemporâneos daqueles filósofos, estar familiarizado com seus argumentos. Um cientista, ao contrário, embora se possa interessar pela história do assunto que estuda, pode muitas vezes ignorá-la impunemente, o que acontece com frequência. Um físico moderno que nunca ouviu falar de Arquimedes pode, não obstante, conhecer completamente as conclusões estabelecidas em sua disciplina.

Responder-se-ia a tal cepticismo argumentando que existe progresso em filosofia, mas que o assunto é particularmente difícil. Encontra-se no limite do, entendimento humano; portanto, o seu progresso é lento. Também se responderia argumentando que a natureza do assunto é tal que cada tentativa constitui um novo começo, que pode questionar tudo, e só raramente alcançar conclusões que ainda não foram enunciadas de alguma outra forma, expressas na linguagem de algum outro sistema. Aqui, será proveitoso contrastar a filosofia com a ciência e a literatura. Como sugeri, um cientista pode, impunemente, conhecer apenas a história recente de sua disciplina e, não obstante, ser um cientista competente. De modo contrário, quem apenas compreende de forma inadequada a física (o sistema físico actualmente aceito como verdadeiro) pode, todavia, mostrar-se um competente historiador do assunto, capaz de investigar e expor as pressuposições intelectuais ou a importância história de uma hipótese ou forma de pensamento há muito obsoleta. (Vemos assim que a ciência e a história da ciência estão começando a ser disciplinas académicas separáveis, com pouca ou nenhuma sobreposição em matéria de questões ou resultados.)

Entretanto, quando nos voltamos para a literatura, encontramos um estado de coisas completamente diferente. Em primeiro lugar, é improvável sugerir que há uma tendência inata da literatura a progredir, visto que não se pode descrever a direcção em que ela se desenvolve. A ciência, que progride na direcção da verdade, se constrói sobre o já estabelecido, tendo um direito inalienável de subverter e demolir os mais ingénuos, satisfatórios e belos de seus sistemas estabelecidos. Desse modo, Copérnico e Galileu subverteram as cosmologias ptolemaica e aristotélica. Portanto, alguém que nunca tenha ouvido falar de Ptolomeu ou até mesmo de Aristóteles ainda assim poderá tornar-se o maior especialista vivo no assunto. A literatura, ao contrário, tem seus pontos altos e baixos, mas nada semelhante a uma progressão necessária de um ponto para outro. A perspectiva de tal paisagem mudará com o tempo: o que se afigurava grandioso decrescerá com o passar dos anos e (mais raramente) o que agora parece insignificantes parecerá grande visto à distância. Mas não há progresso além de Homero ou Shakespeare, nem expectação necessária de que alguém por mais talentoso que seja, que tenha lido toda a literatura produzida antes dele deva, por conseguinte, estar em condições de escrever tão bem ou melhor, ou até mesmo de compreender o que leu. Duas importantes características do conhecimento literário estão ligadas a essa evidente falta de direcção determinada: primeiramente, é impossível dedicarmo-nos à história da literatura sem uma compreensão plena da literatura, e, em segundo lugar, não podemos admitir que se adquira esse tipo de compreensão apenas com o estudo de obras contemporâneas. Aqui, há uma interpenetração e uma interdependência entre história e crítica; porém, no que tange à ciência, elas são independentes.

A filosofia parece ocupar algum lugar intermediário entre a ciência e a literatura. Por um lado, é possível, como o fez Wittgenstein, focalizá-la com um espírito completamente a-histórico, ignorando as realizações de filósofos anteriores e apresentando os problemas filosóficos sem ostentar uma relação autoconfessada com a tradição do assunto. Embora grande parte da filosofia contemporânea seja desse tipo a-histórico, geralmente não é pior por isso. Os filósofos têm sido bem-sucedidos ao isolar uma série de questões às quais se têm dirigido, cada vez mais preocupados com o que se tem pensado mais recentemente e com a intenção de aperfeiçoar tal pensamento. A imagem é produzida por "resultados estabelecidos" e por um movimento que, por ser progressivo, pode chegar a ser a-histórico. Porém, com um pouco de habilidade, geralmente se pode descobrir, dissimuladas nos escritos de algum filósofo histórico, não só a mais recente opinião aceita como alguma réplica surpreendente dos argumentos empregados em seu favor. A descoberta de que os mais recentes resultados foram antecipados por Aristóteles, por exemplo, ocorreu muitas vezes no decorrer da história da filosofia, e sempre de modo a levar ao reconhecimento de novos argumentos, novas dificuldades e novas objecções que envolvem a opinião adoptada, seja com a teologia escolástica de Santo Tomás de Aquino, a metafísica romântica de Hegel ou a estéril análise da escola linguística contemporânea.

Ademais, é indubitável que focalizar as obras de historiadores da filosofia sem se adquirir alguma competência filosófica independente conduz ao equívoco. Um enfoque puramente "histórico" deturpa tanto a filosofia de Descartes ou de Leibniz quanto as peças de Shakespeare ou a poesia de Dante. Compreender o pensamento desses filósofos é enfrentar os problemas aos quais se dedicaram, problemas que geralmente ainda constituem o objeto da pesquisa filosófica. Parece quase pré-condição para nos introduzirmos ao pensamento dos filósofos tradicionais que não consideremos "fechadas" as questões que eles discutiram, ou superados seus resultados. Na medida em que os consideremos como tal, desalojamo-nos de qualquer lugar central na história do assunto. (Assim como um poeta se inspira no corpo de nossa literatura apesar de suas preocupações lhe parecerem estritamente pessoais.) Adoptando-se tal concepção, logo se concluiria que dois filósofos podem chegar a resultados semelhantes, mas apresentá-los de modo tão diferente a ponto de merecerem o mesmo lugar na história da filosofia. Assim é com Guilherme de Ockham e Hume, com Hegel e Sartre. Deparar-nos-emos repetidas vezes com tal fenómeno neste livro.

Estamos agora em condições de estabelecer uma distinção preliminar, da maior importância, entre a história da filosofia e a "história das ideias". Uma ideia pode ter uma história complexa e interessante, mesmo quando se afigura óbvio para qualquer filósofo que ela não pode ter poder persuasivo. (Consideremos a ideia de que há mais de um Deus.) Outrossim, uma ideia pode possuir sério conteúdo filosófico, mas dever sua influência não à sua verdade, mas ao desejo que os homens sentem de acreditar nela. (Consideremos a ideia de redenção.) A fim de participar da história da filosofia, uma ideia deve possuir uma significância filosófica intrínseca, capaz de despertar o espírito de pesquisa de um contemporâneo e afigurar-se como algo que poderia ser sustentável e até mesmo verdadeiro. Para participar da história das ideias, basta que uma ideia tenha influenciado historicamente a vida dos homens. A história da filosofia deve considerar uma ideia em função dos argumentos que a sustentam, mas ocorre de desviar sua atenção, atentando para suas manifestações mais vulgares ou para suas origens em concepções que não encerram valor filosófico. Certamente, o historiador da filosofia tem o direito de estudar a ética kantiana e ignorar a obra de Lutero intitulada Sujeição da Vontade, embora, do ponto de vista histórico, a primeira fosse impossível se a segunda não tivesse sido escrita. Reconhecer tais pormenores é reconhecer que, em matéria de história da filosofia, o melhor método pode discrepar da prática do historiador das ideias. Talvez seja necessário que o filósofo tire uma ideia do contexto em que foi concebida para reexpressá-la em linguagem directa e acessível, simplesmente com o intuito de avaliar sua verdade. Assim sendo a história da filosofia se torna uma disciplina filosófica, e não histórica.

 Por conseguinte, se o historiador da filosofia se preocupa com influências, tais influências derivarão do carácter irrefutável das ideias e não de seu apelo emocional ou prático. Assim, a influência de Hume e Kant será da maior importância filosófica, ao passo que a influência de Voltaire e Diderot será relativamente pequena. Para o historiador das ideias esses quatro pensadores fazem parte do grande movimento singular denominado "Iluminismo", e, no que se refere à vida dos homens, onde o que importa é o poder de motivação e não a irrefutabilidade, suas respectivas influências se entrelaçam inextrincavelmente.

Pode suceder que um historiador das ideias e um historiador da filosofia estudem o mesmo sistema de pensamento; mas fá-lo-ão com interesses contraditórios, o que exigirá uma aptidão intelectual diferente. A influência histórica de 0 contrato social de Rousseau foi enorme. Para se estudar tal influência não é necessária uma melhor compreensão filosófica da obra do que a que tiveram os que foram mais profundamente influenciados por ela - homens de letras, déspotas esclarecidos e agitadores populares. Todavia, a questão de seu interesse filosófica é independente e, para focalizar a obra a partir da concepção filosófica, deve-se compreender e apresentar suas conclusões com a melhor intenção de determinar sua verdade. Para fazê-lo, precisaremos demonstrar aptidões de tipo diferente das dos homens mais fortemente influenciados pela doutrina. Podemos realmente chegar à conclusão (não nesse caso, mas certamente no de Os direitos do homem, de Tom Paine) de que uma obra filosófica de imensa importância histórica não desfruta de lugar significativo na história da filosofia.

Ao ler as páginas seguintes, o leitor deve ter em mente essa distinção entre a história da filosofia e a história das ideias e reconhecer que a história que ora esboço tanto produz como é produzida pelo estado actual do entendimento filosófico. Meu método, porém, não será expor detalhadamente os argumentos dos filósofos, mas delinear as principais conclusões, sua importância filosófica e os tipos de consideração que levaram seus autores a adoptá-las.

 

A filosofia no universo das outras ciências

A palavra ciência pode ser tomada no sentido lato e no sentido restrito.

Embora a filosofia mereça o título de ciência, porque se preocupa com a investigação das causas primeiras e finais de toda a realidade, apenas o é no sentido lato do termo distinguindo-se das ciências propriamente ditas por várias razões:

a)Pela profundidade de investigação:

- A ciência procura as causas próximas imediatas das coisas;

- A filosofia as causas últimas e finais das coisas;

b) Pela reflexão crítica:

- A ciência pressupõe reflexão e crítica;

- A filosofia põe em questão tudo o que se apresenta ao espírito para examinar, discutir, avaliar e descobrir o seu significado, inclusive o da própria ciência;

c) Pelo grau de generalidade e síntese:

- A ciência limita-se a realidade dos factos, ocupa-se dos fenómenos;

- A filosofia procura dar unidade total ao saber, pretende penetrar na realidade global;

d) Pela humanidade e valorização:

- A ciência ocupa-se em geral, da realidade estranha ao homem;

- A filosofia é essencialmente humana e axiológica, isto é, ela dá valor à acção e à existência humana.

A filosofia fornece às ciências os princípios  em que elas se baseiam, legitima-as, critica-as e defende-as.

Tal como a filosofia fundamenta as ciências, estas também fornecem os dados a partir dos quais a filosofia se eleva a explicações mais profundas.

 

Modernidade Reflexiva: Anthony Guiddens

  • Introdução

O presente trabalho versa no seu todo a questão da Modernidade Reflexiva na acepção de Anthony Giddens. O primeiro capítulo inicia com uma abordagem a respeito do conceito de modernidade dada por Giddens, inclui-se neste capítulo o conceito de reflexividade. A seguir abordar-se-á a questão da Modernidade Reflexiva no seu todo de acordo com vários pontos de vista de Giddens.

Para Giddens, a modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Ele observa que vivemos uma época marcada pela desorientação, pela sensação de que não compreendemos plenamente os eventos sociais e que perdemos o controle. A modernidade transformou as relações sociais e também a percepção dos indivíduos e colectividades sobre a segurança e a confiança, bem como sobre os perigos e riscos do viver:

A  época em que vivemos, chamada por alguns de pós-modernidade, é apontada pela maioria dos autores contemporâneos, como a época das incertezas, das fragmentações, das desconstruções, da troca de valores, do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, do consumo de sensações, etc... Enfim, uma época de transição, de transformação, onde o projecto da modernidade parece ter se cumprido em excesso ou ser insuficiente para solucionar os problemas que assolam a humanidade. Segundo Boa Ventura de Souza Santos, em seu livro Pela Mão de Alice (1995), vivemos uma condição de perplexidade diante de inúmeros dilemas nos mais diversos campos do saber e do viver. Que, além de serem fonte de angústia e desconforto, são também desafios à imaginação, à criatividade e ao pensamento.

Portanto, espera-se que este trabalho não constitua o fim da pesquisa em torno do tema, mas que deixe caminho aberto para se chegar a ela.

 I. A modernidade

1. Conceito

Iniciamos com a definição simples de Anthony Giddens da modernidade: “modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII, e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (GIDDENS, 1991: 11).

 1.1. A reflexividade

Segundo Giddens, a reflexividade consiste em as sociedades modernas chegarem a um ponto em que são obrigadas a reflectir[1] sobre si mesmas e que, ao mesmo tempo, desenvolvem a capacidade de reflectir retrospectivamente sobre si mesmas.

“A reflexividade social diz respeito a uma sociedade em que as condições em que vivemos são cada vez mais o resultado de nossas próprias acções, e, inversamente, nossas acções vivem cada vez mais a administrar ou enfrentar os riscos e oportunidades que nós mesmos criamos” (GIDDENS, 1997: 20).

A reflexividade constitui a terceira fonte de dinamismo da modernidade. A reflexividade da modernidade significa que as práticas sociais modernas são enfocadas, organizadas e transformadas, à luz do conhecimento constantemente renovado sobre estas próprias práticas. Nas condições da modernidade reflexiva o conhecer não significa estar certo, ou seja, o conhecimento está sempre sob dúvida e incide sobre as práticas sociais e estas sobre o mesmo. E isto se aplica tanto às ciências sociais quanto às naturais.

Por outro lado, a característica reflexiva da sociedade moderna indica a possibilidade de uma contínua geração de auto conhecimento sistemático, o qual, em geral, desestabiliza a relação entre conhecimento leigo e saber especializado (sistemas peritos).

A modernidade reflexiva rompe com o “ideal iluminista”[2] de um saber fundado na razão e capaz de superar a superstição e os “dogmas da tradição”[3], gerando uma nova certeza – a segurança ontológica – que supere o carácter arbitrário do hábito e do costume.

A modernidade moldou o mundo natural e social à imagem humana, mas produziu um mundo fora de controle, muito diferente daquele que o iluminismo antecipou. Isto nos impõe algumas questões: Por que a razão não controla o carro? Seria defeito do projecto ou falhas do operador? Segundo o autor, “nem os defeitos do projecto nem a falha do operador são os elementos mais importantes a produzir o carácter errático da modernidade. As duas influências mais significativas são (...): as consequências involuntárias e a reflexividade ou circularidade do conhecimento social”. ((GIDDENS, 1997: 152).

  2.Modernidade Reflexiva

Ulrich Beck e Anthony Giddens (1997), partilham da opinião de que as sociedades modernas, chegaram a um estado de alta ou radicalizada modernidade, na qual a característica dominante é um elevado grau de reflexividade. Isto é, as sociedades modernas chegaram a um ponto em que são obrigadas a reflectir sobre si mesmas e que, ao mesmo tempo, desenvolveram a capacidade de reflectir retrospectivamente sobre si mesmas. Os antigos modelos de desenvolvimento das sociedades modernas criam agora problemas e dilemas tão fundamentais que questionam qualquer movimento de acordo com esses princípios. É a chamada modernização reflexiva, determinada por grandes mudanças sociais. São essas mudanças que irão desnudar o nível de insegurança, de perigo, enfim, a sociedade de risco (BECK, 1997: 15), que é uma fase do desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, económicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a protecção da sociedade industrial. O resultado mais radical ocorre quando as instituições da sociedade industrial tornam-se produtoras e legitimadoras das ameaças que não podem controlar, onde fenómenos como o impacto da globalização, as mudanças na vida quotidiana e pessoal e o surgimento da sociedade pós-tradicional escapam do escopo da modernidade ocidental e alcançam o mundo todo, e a um só tempo.

As tendências de mudança em nosso mundo, onde tudo é novo e confuso, não pode ser razão para renunciarmos a nossa capacidade de entender e encontrar sentido, para buscar entender seu inter-relacionamento. Penso que é possível observar, analisar e teorizar e, assim, ajudar a construir um mundo diferente e melhor, mesmo não dando respostas, mas questionando, buscando e se angustiando estaremos fazendo algo.

A modernização reflexiva vislumbra a possibilidade do entendimento e da necessidade de se produzir interpretações que acompanhem as descontinuidades da modernidade produzidas pela grande rapidez e ritmo de mudança da vida moderna.

Poucas pessoas no mundo, podem continuar sem consciência do facto de que suas actividades locais são influenciadas, e às vezes até determinadas por acontecimentos ou organismos distantes [...] As acções quotidianas de um indivíduo produzem consequências globais [....] Esta extraordinária – e acelerada – relação entre as decisões do dia-a-dia e os resultados globais, juntamente com o seu reverso, a influência das ordens globais sobre a vida individual, compõem o principal tema da nova agenda. As conexões envolvidas são frequentemente muito próximas. Colectividades e agrupamentos intermediários de todos os tipos, incluindo o estado, não desaparecem em consequência disso, mas realmente tendem a ser reorganizados ou reformulados. (GIDDENS, 1997: 75)

 2.1. Modernidade e a organização social

 A pós-modernidade descrita por muitos para caracterizar uma nova era, sugerindo o encerramento da modernidade, é questionada por Giddens: “Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes ... Não vivemos ainda um universo social pós-moderno, mas podemos ver mais do que uns poucos relances de emergência de novos modos de vida e organização social...” (GIDDENS, 1997: 13, 58 ).

Para Giddens, não se pode obter um conhecimento sistemático sobre a organização social é resultado de estarmos sendo apanhados por eventos que não compreendemos plenamente, e que parecem estar fora de nosso controle. E isto não é o suficiente para inventarmos novos termos e sim olhar para a natureza da própria modernidade e analisar como isto veio a ocorrer.

Em As Consequências da Modernidade, Anthony Giddens desenvolve uma interpretação “descontinuísta” do desenvolvimento social moderno. Para ele é preciso capturar a natureza dessas descontinuidades para poder analisar o que é realmente a modernidade e diagnosticar suas consequências para nós no presente. Para identificação dessas descontinuidades que separam as instituições sociais modernas das ordens sociais tradicionais, devemos observar algumas características: o ritmo da mudança – as mudanças em todas as esferas, em condições de  modernidade, acontecem numa velocidade extrema; o escopo da mudança – as inter conexões de diferentes áreas, geram ondas de transformação social que penetram o mundo todo; e a natureza intrínseca das instituições modernas - a modernização não transcorre de maneira única e uniforme pelas diversas regiões do globo. Para Giddens, na sua obra “A Modernização Reflexiva”, a globalização não é uma mera continuação da expansão do capitalismo e do Ocidente. Ela se investe de uma qualidade diferente, já que sua instantaneidade, interrelaciona o global e o local e não tende a uma única direcção, produzindo, também, novas formas de estratificação social, mas com consequências opostas em diferentes localidades. Por outro lado, Giddens não percebe uma homogeneização cultural como consequência da globalização, mas ao contrário, ele considera que nesse nível são produzidas as diásporas culturais.

O que se  destaca em Giddens é que ele procura desenvolver uma análise institucional da ambiguidade da vida moderna, centralizando a discussão nos temas de segurança versus perigo e confiança versus risco, que caracterizariam essa fase da modernização reflexiva. Observa-se que, através do desenvolvimento a longo prazo do sistema industrial, criou-se um mundo onde predomina a incerteza artificial, a modernização reflexiva, que se contrapõe à “modernização simples” (GIDDENS, 1997: 17), cuja dominação impediu a revelação das incertezas, produzindo-se a imagem do progresso capitalista ou industrial como totalmente previsível, tanto nas teses conservadoras como nas revolucionárias.

 2.2. Tradição e modernidade

 “A tradição é a cola que une as ordens sociais pré-modernas”, afirma Giddens. A tradição envolve, de alguma forma, controle do tempo. “Em outras palavras, a tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência para o presente”. (GIDDENS, 1997: 80).

A Tradição integra e monitora a acção à organização tempo-espacial da comunidade. Ela está vinculada à compreensão do mundo fundada na superstição, religião e nos costumes; ela pressupõe uma atitude de resignação diante do destino, o qual, em última instância, não depende da intervenção humana, do fazer a história. Dessa forma, conhecer é ter habilidade para produzir algo e está ligado à técnica e à reprodução das condições do viver. A ordem social sedimentada na tradição expressa a valorização da cultura oral, do passado e dos símbolos enquanto factores que perpetuam a experiência das gerações.

Por outro lado, a tradição também se vincula ao futuro. Mas este não é concebido como algo distante e separado, mas como uma espécie de linha contínua que envolve o passado e o presente. É a tradição que persiste, remodelada e inventada de novo  a cada geração. Não há um corte profundo, ruptura ou descontinuidade absolutas entre o ontem, hoje e o amanhã.

A tradição envolve o ritual; este constitui um meio prático de preservação. Nas sociedades que integram a tradição, os rituais são mecanismos de preservar a memória colectiva e as verdades inerentes ao tradicional. O ritual reforça a experiência quotidiana e refaz a elo que une a comunidade, mas ele tem uma esfera e linguagem próprias e uma verdade em si, isto é, uma “verdade formular” que não depende das “propriedades referenciais da linguagem”. Pelo contrário, “a linguagem ritual é performativa, e às vezes pode conter palavras ou práticas que os falantes ou os ouvintes mal conseguem compreender. (...) A fala ritual é aquela da qual não faz sentido discordar nem contradizer – e por isso contém um meio poderoso de redução da possibilidade de dissenção”. (GIDDENS, 1997: 83)

 “A tradição é impensável sem guardiães, porque estes têm um acesso privilegiado à verdade; a verdade não pode ser demonstrada, salvo na medida em que se manifesta nas interpretações e práticas dos guardiães. O sacerdote, ou xamã, pode reivindicar ser não mais que o porta-voz dos deuses, mas suas acções de facto definem o que as tradições realmente são. As tradições seculares consideram seus guardiães como aquelas pessoas relacionadas ao sagrado; os líderes políticos falam a linguagem da tradição quando reivindicam o mesmo tipo de acesso à verdade formular”. (GIDDENS, 1997: 100)

 2.2.1. Continuidade e descontinuidade

Nas condições da modernidade, o ritual é reinventado e reformulado. O mesmo ocorre com o guardião, substituído pelo especialista, o perito. A modernidade reincorpora a tradição, reinventa-a, e, neste sentido, também expressa continuidade. Grande parte dos valores relacionados à tradição permanecem e se reproduzem no âmbito da comunidade local. Na verdade, as primeiras instituições da modernidade não podiam desconsiderar a tradição preexistente e, vários aspectos, dependiam delas.

Porém, a modernidade teve que “inventar” tradições e romper com a “tradição genuína”, isto é, aqueles valores radicalmente vinculados ao passado pré-moderno. A modernidade, neste sentido, expressa descontinuidade, a ruptura entre o que se apresenta como o “novo” e o que persiste como herança do “velho”.

 2..2.2. Como se expressa a Modernidade

2.2.3. A modernidade expressa-se em׃

a) Ruptura com a ideia de comunidade;

b) Ruptura com a ideia e a prática teológico-política do poder político encarnado na pessoa do dirigente e passagem à ideia da dominação impessoal ou da dominação racional, isto é, nascimento da ideia moderna de Estado.

 “A modernidade, pode-se dizer, rompe o referencial protector da pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e impessoais. O indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança oferecidos em ambientes mais tradicionais”. (GIDDENS, 2002: 38)

Para Giddens, não basta inventar novas palavras para explicar este redemoinho, mas sim olhar com atenção a própria modernidade e analisar as suas consequências. Eis a sua tese:

“Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes. Além da modernidade, devo argumentar, podermos perceber os contornos de uma ordem nova e diferente, que é “pós-moderna”; mas isto é bem diferente do que é actualmente chamado por muitos de “pós-modernidade”. (1991: 12-13)

          Conclusão

A análise de Anthony Giddens sobre a modernidade oferece-nos a possibilidade de compreender o mundo em que vivemos, nossas inseguranças, incertezas e, inclusive, as transformações nos espaços da intimidade.

Ao longo do trabalho nota-se que Giddens procura esclarecer que a tradição e a religião são dois pontos que se incluem no âmbito da confiança da modernidade.
Já a tradição se apoia no conceito de temporalidade da repetição desenvolvido por Giddens. A repetição de um acto traz uma sensação reconfortante para quem o pratica e é realizado por ter um significado: ou por respeito à tradição ou por ter conexão com o ritual. Tem também um aspecto de segurança por estar intimamente ligado a confiança na continuidade do passado, presente e futuro.

 Se por um lado a tradição e a religião podem ter um aspecto aconchegante para a sociedade moderna, a violência humana ligada à industrialização da guerra tem um lado ameaçador. É aí que se encaixa o conceito de risco - risco de morte, destruição e perda. 

 Outra característica fundamental da modernidade desenvolvida no livro é a divisão de tempo e espaço. O advento do relógio, no final do século XVIII, proporcionou uma separação entre tempo e espaço de acordo com as zonas. Até hoje, o mundo todo segue o mesmo sistema de datação, o tempo e o lugar já não são mais variáveis e imprecisos como na era pré-moderna. Sendo assim, a medição do tempo e a divisão do espaço através dos mapas  trazem, cada vez mais, a separação entre os dois conceitos, o que é crucial para o dinamismo da modernidade.

Contudo, sua obra e opções políticas, em especial suas análises geram resistências e determinados leitores não conseguem romper o olhar preconceituoso. Giddens é um daqueles autores que merecem ser lidos e estudados – nem que seja apenas para aprimorar os nossos argumentos críticos. Para divergir é preciso, primeiro, compreender.

  Bibliografia

 1.      ANTUNES, Alberto et al. Dicionário breve de Filosofia. 5ª Edição. Lisboa, Editora Presença, 1995.

    1. BECK, Ulrich, GIDDENS, Anthony e LASH, Scott., Modernidade reflexiva: trabalho e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp. 1997
    2. BECK, Ulrich. O regime de Risco: A sociedade de Risco, Edições 70,  Lisboa, 2000.
    3. GIDDENS, A. As Consequências da Modernidade. Editora da Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 1991.
    4. GIDDENS, A. & LASH, S. Modernização Reflexiva. Editora da Universidade Estadual Paulista, São Paulo:, 1997.
    5. GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,2002

 

 



[1] Suspensão crítica do juízo com o objectivo de analisar melhor e melhor compreender os dados de um problema e os aspectos de uma situação, e avaliar as consequências de uma certa maneira de proceder e agir  (ANTUNES, 155)

. [2] Os pensadores iluministas “acreditavam, com bastante propriedade, que quanto mais viéssemos a conhecer sobre o mundo, enquanto colectividade humana, mais poderíamos controlá-lo e direccioná-lo para nossos próprios propósitos”. (GIDDENS, 1997: 219)

 [3] “E, em certo sentido, isso realmente ocorreu: as perspectivas cognitivas foram, na verdade, muito substancial e dramaticamente reformadas. Entretanto, a forma emocional da tradição foi deixada mais ou menos intacta”. (GIDDENS, 1997: 86-87)

 

sexta-feira, 19 de março de 2010

Os filósofos da natureza

Tales de Mileto

Tales de Mileto (Θαλής ο Μιλήσιος). Nascimento    c. 624/625 a.C.

Mileto, actual Turquia

Morte  c. 556/558 a.C.

Ocupação: Filósofo, matemático, astrónomo

Escola/tradição: Escola Jônica, Escola de Mileto, Naturalismo

Principais interesses: Metafísica, Ética, Matemática, Astronomia

Ideias notáveis            Água como "physis", teorema de Tales, considerado o pai da ciência e da filosofia ocidental

Influenciados  Pitágoras, Anaximandro, Anaxímenes

 Tales de Mileto (em grego Θαλής ο Μιλήσιος) foi o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele é o marco inicial da filosofia ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colónia grega, na Ásia Menor, actual Turquia, por volta de 624 ou 625 a.C. e faleceu aproximadamente em 556 ou 558 a.C..

 Tales é apontado como um dos sete sábios da Grécia Antiga. Além disso, foi o fundador da Escola Jônica. Tales considerava a água como sendo a origem de todas as coisas. E seus seguidores, embora discordassem quanto à “substância primordial” (que constituía a essência do universo), concordavam com ele no que dizia respeito à existência de um “princípio único" para essa natureza primordial.

Entre os principais discípulos de Tales de Mileto merecem destaque: Anaxímenes que dizia ser o "ar" a substância primária; e Anaximandro, para quem os mundos eram infinitos em sua perpétua inter-relação.

 No Naturalismo esboçou o que podemos citar como os primeiros passos do pensamento Teórico evolucionista: "O mundo evoluiu da água por processos naturais", aproximadamente 2460 anos antes de Charles Darwin. Sendo seguido por Empédocles de Agrigento na mesma linha de pensamento evolutivo: "Sobrevive aquele que está melhor capacitado".

 Tales foi o primeiro a explicar o eclipse solar, ao verificar que a Lua é iluminada por esse astro. Segundo Heródoto, ele teria previsto um eclipse solar em 585 a.C. Segundo Aristóteles, tal feito marca o momento em que começa a filosofia. Os astrônomos modernos calculam que esse eclipse se apresentou em 28 de Maio do ano mencionado por Heródoto.

 Se Tales aparece como o iniciador da filosofia, é porque seu esforço em buscar o princípio único da explicação do mundo não só constituiu o ideal da filosofia como também forneceu impulso para o próprio desenvolvimento dela.

 A tendência do filósofo em buscar a verdade da vida na natureza o levou também a algumas experiências com magnetismo que naquele tempo só existiam como curiosa atração por objetos de ferro por um tipo de rocha meteórica achado na cidade de Magnésia, de onde o nome deriva.Índice.

 

A Cosmologia

 Os fenícios – através de sua mitologia – consideravam os elementos da Natureza (o Sol, a Terra, o Céu, o Oceano, as Montanhas,etc.) como forças autônomas, honrando-os como deuses, elevados pela fantasia a seres ativos, móveis, conscientes e dotados de sentimentos, vontades e desejos. Estes deuses constituíam-se na fonte e na essência de todas as coisas do universo.

Tales foi um dos primeiros pensadores a alterar esses conceitos observando mais atentamente os fenômenos da natureza. A Phisis. O ponto de partida da teoria especulativa de Tales – como também de todos os demais filósofos da escola Jônica – foi a verificação da permanente transformação das coisas umas nas outras e sua intuição básica é de que todas as coisas são uma só coisa fundamental, ou um só princípio (arché).

Dos escritos de Tales, nenhum deles sobreviveu até nossos dias. Suas idéias filosóficas são conhecidas graças aos trabalhos de doxógrafos como Diógenes Laércio, Simplício e principalmente Aristóteles.

Em sua obra - Metafísica, Aristóteles nos conta: “Tales diz que o princípio de todas as coisas é a água, sendo talvez levado a formar essa opinião por ter observado que o alimento de todas as coisas é úmido e que o próprio calor é gerado e alimentado pela umidade. Ora, aquilo de que se originam todas as coisas é o princípio delas. Daí lhe veio essa opinião, e também a de que as sementes de todas as coisas são naturalmente úmidas e de ter origem na água a natureza das coisas úmidas”.

 Em seu livro – Da Alma, Aristóteles escreve: “E afirmam alguns que ela (a alma) está misturada com o todo. É por isso que, talvez, Tales pensou que todas as coisas estão cheias de deuses. Parece também que Tales, pelo que se conta, supôs que a alma é algo que se move, se é que disse que a pedra (ímã) tem alma, porque move o ferro”.

 Esse esforço investigativo de Tales no sentido de descobrir uma unidade, que seria a causa de todas as coisas, representa uma mudança de comportamento na atitude do homem perante o cosmos, pois abandona as explicações religiosas até então vigentes e busca, através da razão e da observação, um novo sentido para o universo. Quando Tales disse que todas as coisas estão cheias de deuses, ou que o magnetismo se deve à existência de “almas” dentro de certos minerais, ele não estava invocando as palavras Deus e Alma, no sentido religioso como as conhecemos atualmente, mas sim adivinhando intuitivamente a presença de fenómenos naturais inerentes à própria matéria.

 Embora suas conclusões cosmológicas estivessem erradas podemos dizer que a Filosofia começou então com Tales, que ao estabelecer a proposição de que a água é o absoluto, provoca como consequência o primeiro distanciamento entre o pensamento racional e as percepções sensíveis.

 A vida dos antigos pensadores gregos é frequentemente conhecida apenas de maneira incompleta. Realmente, os primeiros biógrafos não achavam correto divulgar fatos menos importantes concernentes à personalidade dos sábios. Eles julgavam as descobertas destes homens mais que suficientes para que fossem considerados como seres bastante superiores aos comuns mortais. E, como tais, deveriam ter uma imagem semelhante à dos deuses, sendo desprezados os fatos mais corriqueiros de sua vida. Na política constou que Tales de Mileto defendeu a federação das cidades Jônicas da região do Mar Egeu

 Contos

Plutarco disse que Tales certa vez olhando para o céu, tropeçou e caiu, sendo repreendido por alguém como lunático: analisava o tempo para descobrir se haveria uma seca, o que o fez ganhar muito dinheiro.Outros dizem que tendo caido, desapareceu num buraco.

Usando seu conhecimento astronômico e meteorológico (provavelmente herdado dos babilônios), Tales previu uma excelente colheita de azeitonas com um ano de antecedência. Sendo um homem prático, conseguiu dinheiro para alugar todas as prensas de azeite de oliva da região e, quando chegou o verão, os produtores de azeite tiveram que pagar a ele pelo uso das prensas, o que o levou a ganhar uma grande fortuna com esse negócio.

Quando perguntaram a Tales o que era difícil, ele respondeu: “Conhecer a si próprio”. Quando lhe perguntaram o que era fácil, ele respondeu: “Dar conselhos”.

Interpretação Nietzscheana

"A Filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário determo-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e, enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida (estado latente, prestes a se transformar), está contido o pensamento: “Tudo é Um”. A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e o mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego". (Friedrich Nietzsche, in A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos)


Descobertas geométricas

 Os fatos geométricos cuja descoberta é atribuída a Tales são:

A demonstração de que os ângulos da base dos triângulos isósceles são iguais;

A demonstração do seguinte teorema: se dois triângulos tem dois ângulos e um lado respectivamente iguais, então são iguais;

A demonstração de que todo diâmetro divide um círculo em duas partes iguais;

A demonstração de que ao unir-se qualquer ponto de uma circunferência aos extremos de um diâmetro AB obtém-se um triângulo retângulo em C. Provavelmente, para demonstrar este teorema, Tales usou também o fato de que a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos retos;

 Tales chamou a atenção de seus conterrâneos para o fato de que se duas retas se cortam, então os ângulos opostos pelo vértice são iguais.

    

Anaxímenes.

 Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) concordava com Anaxímandro de Mileto quanto ao a-peiron, e com as características desse princípio apontadas por Anaximandro. Mas postulou que esse a-peiron fosse o Ar.

Foi discípulo e continuador da escola Jônica e escreveu sua obra: “Sobre a natureza”, também em prosa. Dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a afirmar que a luz da Lua é proveniente do Sol.

Enquanto Tales sustentava a idéia de que a água é o bloco fundamental de toda a matéria, Anaxímenes dizia que tudo provém do Ar e retorna ao Ar. Era inquieto.

Adágio de Anaxímenes: "Exatamente como a nossa alma, o ar mantém-nos juntos, de forma que o sopro e o ar abraçam o mundo inteiro..."

 

A Cosmologia de Anaxímenes

 Simplício em seu livro Física nos conta: “Anaxímenes de Mileto, filho de Eurístrates, companheiro de Anaximandro, afirma também que uma só é a natureza subjacente, e diz, como aquele, que é ilimitada, não porém indefinida, como aquele (diz), mas definida, dizendo que ela é Ar. Diferencia-se nas substâncias, por rarefação e condensação. Rarefazendo-se, torna-se fogo; condensando-se, vento, depois, nuvem, e ainda mais, água, depois terra, depois pedras, e as demais coisas provêm destas. Também ele faz eterno o movimento pelo qual se dá a transformação.”

A Terra, acreditava Anaxímenes, foi formada primeiro, e dela, ergueram-se as estrelas, dando a impressão de que estas são rarefações do fogo. A Terra era plana e boiava no Ar. O Sol também era “plano e largo como uma folha” e caminhava através do Ar.

De acordo com uma passagem isolada escrita pelo teólogo sírio Aécio, Anaxímenes pensava que as estrelas eram fixas como “pregos no cristalino”. Ele também alegadamente acreditava que as estrelas não produziam calor por causa de sua grande distância em relação à Terra, o que era uma visão mais acurada do que a de Anaximandro, que considerava as estrelas mais próximas da Terra do que o Sol.

A presunção feita por Anaxímenes de que o Ar estava eternamente em movimento, traz ao pensamento a noção de que o Ar possuía vida – uma crença razoável no contexto primitivo que sempre associou vida com sopro. Há evidências de que Anaxímenes fez analogias entre o Ar-divino que sustenta o Universo e o ar-humano, ou alma, que dá vida aos homens. Sobre isto, Aécio escreve: “Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro e ar o mantém”.

Tal comparação, entre o macrocosmo e o microcosmo, permitiu a Anaxímenes desenvolver o argumento sobre a existência de uma única entidade – o Ar – a sustentar a diversidade de todas as coisas.

 

Anaximandro de Mileto      

Escola/Tradição:       Naturalismo, Escola de Mileto, Jônicos

Data de nascimento:  610

Local: Não disponível

Data de falecimento  547

Principais interesses: Metafísica, Astronomia, Geometria, Geografia

Idéias notáveis:          Apeiron

Influenciado por:      Tales de Mileto

Influências:    Pitágoras, Anaxímenes de Mileto

 Anaximandro de Mileto (610 - 547 a.C.) foi um filósofo pré-Socrático. Discípulo de Tales. Geógrafo, matemático, astrónomo e político. Os relatos doxográficos nos dão conta de que escreveu um livro intitulado "Sobre a Natureza"; contudo, infelizmente, esse livro se perdeu.

Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso do Gnômon (relógio solar) e a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é o iniciador da astronomia grega).

Anaximandro acreditava que o princípio de tudo é uma coisa chamada ápeiron, que é algo infinito, tanto no sentido quantitativo (externa e espacialmente), quanto no sentido qualitativo (internamente). Esse a-peiron é algo insurgido (não surgiu nunca, embora exista) e imortal.

Além de definir o princípio, Anaximandro se preocupa com os "comos e porquês" das coisas todas que saem do princípio. Ele diz que o mundo é constituído de contrários, que se auto-excluem o tempo todo. O tempo é o "juiz" que permite que ora exista um, ora outro.

 Por isso, o mundo surge de duas grandes injustiças: primeiro, da cisão dos opostos que "fere" a unidade do princípio; segundo, da luta entre os princípios onde sempre um deles quer tomar o lugar do outro para poder existir.

 

O Universo de Anaximandro

 Anaximandro considerava que a Terra tinha o formato de um cilindro e que era circundada por várias rodas cósmicas, imensas e cheias de fogo.

O Sol era um furo, numa dessas rodas cósmicas, que deixava o fogo escapar. À medida que essa roda girava, o Sol também girava, explicando-se assim o movimento do Sol em torno da Terra. Eclipses se deviam ao bloqueio total ou parcial desse furo.

A mesma explicação era dada para as fases da Lua, que também era um furo em outra roda cósmica. E finalmente, as estrelas eram pequenos furos em uma terceira roda cósmica, que se situava mais perto da Terra, do que as rodas do Sol e da Lua.

 "Anaximandro,..., representa a passagem da simples designação de uma substância como princípio da natureza para uma idéia desta, mais aguda e profunda, que já aponta para os traços que irão caracterizá-la em toda a filosofia pré-socrática." (Julian Marías, 'História da Filosofia', Martins Fontes, 1ª edição, 2004, pg.17). -

 

O Evolucionismo de Anaximandro

 Já em seu tempo, Anaximandro ensinava a evolução das coisas e das espécies. Para ele, os animais nasceram do lodo marinho, e o homem teria se formado, no princípio, dentro de peixes, onde se desenvolveu e donde foi expulso logo que se tornou de tamanho suficiente para bastar-se a si próprio.

 

A Cosmologia de Anaximandro

 Em seu livro - Física, o pensador Simplício nos relata: "Dentre os que afirmam que há um só princípio, móvel e ilimitado, Anaximandro, filho de Praxíades, de Mileto, sucessor e discípulo de Tales, disse que o a-peiron (ilimitado) era o princípio e o elemento das coisas existentes. Foi o primeiro a introduzir o termo princípio. Diz que este não é a água nem algum dos chamados elementos, mas alguma natureza diferente, ilimitada, e dela nascem os céus e os mundos neles contidos (...) É manifesto que, observando a transformação recíproca dos quatro elementos, não achou apropriado fixar um destes como substrato, mas algo diferente, fora estes. Não atribui então a geração ao elemento em mudança, mas à separação dos contrários por causa do eterno movimento."

Para Anaximandro, o Universo era eterno e infinito. Um número infinito de mundos existiram antes do nosso. Após sua existência, eles se dissolveram na matéria primordial (o a-peiron) e posteriormente outros mundos tornaram a nascer.

Essa imagem dinâmica do Universo, onde a matéria aparece e desaparece continuamente, lembra-nos o mito da criação do hinduismo, onde o deus Shiva através de sua dança sustenta todos os processos de criação e destruição.

Anaximandro, contudo, não acreditava em nenhum deus, para ele todos os ciclos de criação, evolução e destruição eram fenômenos naturais, que ocorriam a partir do ponto em que a matéria abandonava e se separava do a-peiron. O a-peiron era a realidade primordial e final de todas as coisas e, consequentemente, continha toda a natureza do divino em si próprio.

Tudo o que existe, somente existe em função de uma emancipação do ser eterno e portanto ao se separar deste, é digno de castigo.

"De onde as coisas têm seu nascimento, ali também devem ir ao fundo. Segundo a necessidade, pois têm de pagar penitência e de ser julgadas por suas injustiças, conforme a ordem do Tempo."

Tudo o que nasce, um dia vai morrer. Tudo o que é quente, um dia vai esfriar. Tudo o que é grande, pode ser quebrado em pedaços menores. Fogo pode ser combatido com água, e como resultado, fogo e água deixam de existir.

E por toda a parte onde podem ser percebidas propriedades determinadas, podemos profetizar que elas um dia irão sucumbir.

Assim, Anaximandro conclui que a essência de todas as coisas não pode possuir essas propriedades determinadas que sucumbem ao longo do Tempo. Daí, seu conceito de apeiron, ser algo ilimitado, infinito, indefinido e eterno.