Pesquisar este blog

sábado, 29 de maio de 2010

Karl Otto Apel

Introdução

A era moderna tinha como projecto a emancipação do homem da natureza através da técnica, a emancipação do homem das ditaduras através da democracia, a emancipação do homem de Deus através da razão.

Mas o projecto da modernidade falhou, isto é, a modernidade não conseguiu superar todos os males; o que se viu surgir uma nova era- a chamada era pós-moderna ou a era das telecomunições.

Nesta perspectiva, o trabalho ora presente diz respeito a cadeira de Filosofia da Pós-modernidade e visa falar de Karl Otto Apel, principais pensamentos deste, sua doutrina e tese.

De referenciar que o trabalho não tem por intenção esgotar o tema, mas falar em linhas gerais do pensamento de Apel, tudo porque o rigor científico não permite esgotar um determinado tema. Esperamos que o mesmo sirva de material de consulta aos estudantes bem como ao público em geral que se interessem pelo tema.

1.Vida e obra de Karl Otto Apel
Karl Otto Apel nasceu em Düsseldorf na Alemanha aos 15 de março de 1922) é Professor Emérito da Johann Wolfgang Goethe-Universität de Frankfurt am Main .
Licenciado em Bonn e doutor em filosofia em Mainz, em 1960. Foi professor em Kiel (1962-1969), Saarbrücken (1969-1972) e na Johann Wolfgang Goethe-Universität, (1972-1990).
Apel Tornou-se um dos teóricos mais influentes da Escola de Frankfurt, após a morte de Adorno, no final da década de 1960. Crítico do cientificismo positivista por considerá-lo redutor da razão, na linha defendida pelos frankfurtianos, Apel elaborou trabalhos sobre a ética comunicativa e se assume como um dos restauradores da filosofia prática.
O trabalho de Apel incorpora elementos tanto da Filosofia analítica como do pragmatismo e da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.
No plano da crítica ao racionalismo positivista, faz uma clara distinção entre a compreensão e a explicação. Em seu livro Understanding and Explanation: A Transcendental-Pragmatic Perspective, Apel reformula a diferença entre entendimento (Verstehen) e explicação (Erklärung), contidos na hermenêutica de Wilhelm Dilthey e na sociologia interpretativa de Max Weber, com base em uma concepção transcendental- pragmática de linguagem, inspirada em Charles Peirce. Essa concepção do "mundo da vida" tornar-se-ia um elemento da teoria da ação comunicativa e do discurso ético, que Apel a princípio desenvolveu com seu amigo e colaborador Jürgen Habermas.
Embora basicamente concorde com a teoria da ação comunicativa de Habermas, Apel é crítico com respeito a alguns aspectos da abordagem do colega. Apel defende que a teoria da communicação deva basear-se nas condições pragmático-transcendentais da comunicação e assim, depois de um ponto de partida comum, Habermas e Apel seguiram caminhos diferentes. Habermas encaminhou-se para um "transcendentalismo fraco", mais próximo da pesquisa social empírica.
Apel também escreveu diversos trabalhos sobre Peirce e foi presidente da 'Charles Sanders Peirce Society.
2.A base do pensamento Linguístico da Filosofia de Karl Otto Apel

Apel mostra que a transformação linguística da filosofia mediante uma transformação filosófica da linguagem, não pode consistir em instalar a linguagem, entendida como instância mediadora da racionalidade, no paradigma sujeito-objecto ratificado pela clássica teoria transcendental do conhecimento, como se o modelo kanteano de "consciência em geral" funcionasse in extremis como "sujeito transcendental da linguagem". Por outro lado, a transformação da filosofia, postulada por Apel, também não pode consistir numa mera identificação do sujeito transcendental do conhecimento com o limite linguístico do mundo (tal como parece ser exigido por uma "lógica transcendental" da forma linguística pura).
“Todos os intentos para transformar a prima philosophia a partir do ponto de vista estrito de uma filosofia da linguagem, quer analítica (seja ela sintática, semântica ou pragmática), quer hermenêutica, quer mesmo semiótica, tendem estruturalmente ao fracasso”( APEL, 1985:123). Sempre que não se extraiam com as consequências radicais do facto de não se poder entender o pensamento inscrito numa linguisticidade (e por via disso, a própria validação justificacional do conhecimento) como função de uma consciência “solipsisticamente” concebida, mas sim como função que resulta de uma reflexão filosófica sobre e mediante a linguagem, reflexão essa, para Apel, transcendentalmente dependente de um a priori comunicacional.
É precisamente na esteira desse sentido crítico, que a tarefa apeleana de fundamentar a filosofia em plena era da linguagem, sem cair fatalmente nas armadilhas conceptuais não só da suspeita analítica contra a “metafísica” , como também da conjutura “pós-moderna” contra a razão, pressupõe um “regresso” -não uma regressão!- à doutrina transcendental.
A filosofia de Apel não pretende pois repensar sequer o enxerto da teoria tradicional do conhecimento no binómio clássico sujeito-objecto. Pretendê-lo seria, não só carregar ainda de forma implícita com o pesado fardo da herança “solipsística” da filosofia cartesiano-kanteano-husserliana da consciência, como admitir também a imunidade canónico-transcendental do subjectivismo que a epistemologia contemporânea contempla, ao reduzir fáctico-naturalístico-instrumentalmente o sujeito da teoria e da praxis a um objecto de saber manipulável.
Se não quiser chegar irremediavelmente atrasada, quer em relação à flecha evolutiva dos acontecimentos, quer ao estado actual das discussões teórico-éticas, a filosofia de que Apel pretende ser porta-voz terá, nesta viragem de milénio, de assumir radicalmente a tarefa de empreender uma desconstrução consequente da filosofia do sujeito, à luz de uma re-transcendentalização da linguagem e, “inter-remissivamente”, de proceder a uma fundamentação crítica da linguagem re-transcendentalizada à luz de uma justificação a priorística da comunicacionalidade.
“Substituir uma metafísica do "eu penso" pela metafísica crítica da formação do consenso numa comunidade real de comunicação, nisto deve consistir, portanto, a "transformação da filosofia".( Idem:127).
A base de uma concepção transformacional de filosofia, é que poderemos erigir o pensamento de Apel como "crítica da comunicacionalidade pura", numa cultura epistemologicamente formatada por três paralogismos "quase-comunicacionais":
- O paralogismo social da interferência mediática (falácia da comunicação de massa), incapaz de resolver o "aparente" dilema entre a opção maximalista pelos factos de relevância pública e a obsessão minimalista pelos detalhes da vida privada;
- O paralogismo político da participação cívica (falácia do pluralismo democrático), incapaz de contornar a "aparente" dicotomia entre a uniformidade das decisões maioritárias e a ideossincrasia das opções individuais; e finalmente
- O paralogismo ético da intervenção ecológica (falácia da aldeia global) incapaz de superar o "aparente" contraste entre o teor individualista de uma moral submetida aos ditames de uma consciência pessoal e o cunho pluralista de uma moral sujeita ao imperativos de uma responsabilidade colectiva.

Da dissolução teórica destes três paralogismos depende tão só o facto de concebermos a filosofia de Apel como proposta renovada e fecunda de um novo modelo de racionalidade. Modelo esse que teremos de situar inter-remissivamente:

a). Por um lado, numa discursividade que responde eticamente perante o(s) outro(s) no estofo transcendental de uma comunicação actuante, constituidora em última instância da própria condição de possibilidade do discurso;
b). Por outro lado, numa eticidade exercida discursivamente com o(s) outro(s) no estofo transcendental de uma acção comunicativa, constituidora em última instância da própria condição de possibilidade da ética.

3. O que é a linguagem?

Nunca como na actualidade houve uma consciência tão clara de que a palavra linguagem, mais do que um objecto sobre o qual as ciências se debruçam empiricamente (a par de outros objectos "intra-mundanos"), evoca um problema fundamental, não só para as ciências linguísticas, mas também para a ciência, e mesmo para a filosofia.

Paralelamente à emergência dessas novas questões assistiu-se a uma "reorientação" do escopo teórico das ciências humanas: averiguar a a virtualidade linguística dos seus objectos e dos seus procedimentos metodológicos.

A essa averiguação linguística não é de todo estranho o surto disciplinar de áreas de reflexão, tais como a “psicolinguística” , a “sociolinguística” , a “metalinguística” , a “semântica do texto” , etc. A teia formada por essas áreas resultou na constituição de um nicho interdisciplinar que possibilitou o "contacto" das ciências humanas com as questões da linguagem, e criou as condições propícias para a sua consequente "autonomização" epistemológica.

A teoria da linguagem deixa pois de ser conotada como ancilla scientiae, para se assumir como ciência do real.

“Todavia, a teorização do acontecimento linguístico numa óptica exclusivamente científica não preenche de todo os requisitos formais de uma adequada determinação do conceito de linguagem. Essa determinação não compete às "ciências da linguagem", mas à filosofia.”( idem: 129).

Mais ainda: no entender de Apel, compete a "uma" filosofia capaz de compreender que a formação filosófica de conceitos, na era das ciências particulares, não só deverá basear-se na abstracção metódica realizada pelo "entendimento", mas também na superação das abstracções do entendimento, constitutivas do objecto, levada a cabo pela razão.

3.1.A filosofia face a linguagem
Mesmo admitindo que a filosofia não possa ser senão teoria da ciência, ainda assim a filosofia só sairá desse impasse na medida em que facultar à construção teórica das ciências particulares uma determinação fecunda do conceito de linguagem, mediante o concurso de uma reflexividade crítica.( APEL,1988: 19).

São três os requisitos transcendentais que, no entender de Apel, se colocam à filosofia, a partir do momento em que pretende construir um conceito de linguagem, independentemente das tematizações abstractivas das ciências particulares:

a) A filosofia deve empreender a construção de um conceito de linguagem que torne esclarecíveis as abstracções metódico-operativas aplicadas pelas ciências da linguagem ao travejamento discursivo das ciências particulares;

b) Permita valorizar o alcance crítico dos resultados conceptuais alcançados pelas tematizações das ciências da linguagem,

c) Assuma a reflexão sobre os próprios pressupostos linguísticos da filosofia.

3.2. Os caminhos da tríplice exigência filosófica na determinação do conceito de linguagem na mediação linguística
Exige-se que que se tome em conta a tríplice exigência filosófica (esclarecedora, crítica e reflexiva) na determinação do conceito de linguagem na mediação linguística.

Para Apel o caminho que torna possível a pretendida determinação filosófica do conceito de linguagem consiste em mostrar que a linguagem possui uma magnitude transcendental no sentido kanteano; mais precisamente ainda: está em posse das condições que possibilitam e validam o acordo e auto-acordo, e, nesse sentido, o pensamento conceptual, o conhecimento objectivo e o agir com sentido.

“Tal tarefa não se egota porém nos limites do exercício da razão científica, quer dizer, não visa apenas a textura da construção dos enunciados conceptuais e teóricos da ciência, mas estende-se ao próprio âmbito gnoseológico da constituição intersubjectiva do conhecimento enquanto tal”.( Idem:29).

De forma mais explícita, poderíamos afirmar com Apel que a reflexão sobre a linguagem tem de estar dependente de uma filosofia transcendental que responda à pergunta pelas condições de possibilidade e validade das convenções.

É precisamente nesta acepção transcendental que temos de situar em Apel o sentido de uma transformação da filosofia.

Tal transformação deve ser realizada não só ao nível da sua vertente teórica, como também no plano da sua dimensão prática. Com efeito, a possibilidade de uma fundamentação ética depende também da possibilidade de a "filosofia prática" estar meta-eticamente mediada por um uso da linguagem e, nessa medida, por uma filosofia da linguagem.

Para que a filosofia cumpra a tarefa de fundamentar uma teoria da ciência e uma filosofia prática, a explicitação do conceito transcendental da linguagem tem de satisfazer por seu turno duas exigências: uma desconstrutiva e outra reconstrutiva.

Quer dizer: em primeiro lugar, importa desconstruir criticamente a ideia de linguagem, esclarecendo a génese e as sedimentações históricas do conceito, desde a filosofia clássica grega até hoje; em segundo lugar, é necessário reconstruir criticamente a noção de transcendentalidade, mostrando que a filosofia crítica pode "corrigir" a sua trajectória, no domínio de uma racionalidade configurada pela linguagem.

É mediante esta "desconstrução" e "reconstrução" críticas da linguagem que Apel intenta esclarecer dois aspectos: por um lado, que as determinações científicas da linguagem não são "falsas" mas insuficientes; por outro, que o único critério capaz de reconstruir o sentido da transcendentalidade depende da possibilidade ou não de se superarem duas das grandes dicotomias da filosofia moderna e contemporânea, a saber, a consciência face à linguagem, a teoria face à prática.

3.3. A teoria do conhecimento no trânsito da consciência para a linguagem.
São três as formas pelas quais se podem unir, segundo Apel, os conceitos de linguagem e verdade :
a) Ou pensar imediatamente numa investigação etimológica que vise o que classicamente ficou designado por "rectitude onomástica" no seguimento da querela em torno da origem natural ou convencional da linguagem;
b) Ou "dilatar" o âmbito clássico do objecto da linguagem, fazendo-o incidir já não na questão da "adequação" e "origem", mas na questão do seu "teor", tal como se encontra referido no conhecido axioma de W. von Humboldt, "as línguas não são propriamente meios para representar a verdade já conhecida, mas sobretudo para descobrir a que antes era desconhecida (...); que a sua diversidade não é a dos sons e signos, mas uma diversidade de visões do mundo;
c) ou, ainda, conduzir as duas alternativas anteriores até às ultimas consequências, extraindo daí as condições "operativas" que mais tarde permitirão a Boole, Peano e Frega dar corpo à aspiração leibnitzeana de uma "linguagem universal.

Apel mostra, porém, que este tipo de acercamento lógico-sintático da linguagem remonta já aos pressupostos históricos da lógica simbólica, de que Leibniz, e posteriormente Boole, tinham feito: o formalismo, a abstracção por parte do intelecto calculador de todo o conteúdo com sentido na linguagem, esgota-se numa combinatória de signos; no formalismo operativo da sintaxe dos signos linguísticos o que permanecerá pela primeira vez esclarecida é a essência do "significado" em sentido filosófico e, a partir dela, da "verdade" filosófica.
No entender de Apel a linguagem só pode ser pragmática, na medida em que só ela configura o acordo acerca das condições de verificabilidade e ocorrência linguísticas.

Para o autor, o paradigma que melhor parece responder a esse inciso pragmático da linguagem encontra-se bem patente na semiótica tridimensional de Charles Morris.

4. Karl Otto Apel e a interpretação do pensamento de Peirce e Kant
A proposta lançada por Peirce de, com a Semiótica , determinar como devem ser todos os signos para uma inteligência capaz de aprender com base na experiência e de, com a doutrina do Pragmaticismo, determinar para qualquer conceito todos os efeitos práticos concebíveis que dele venham a decorrer, exige que se investigue qual o fundamento que a sustenta.
A hipótese que tal fundamento se encontra em alguma instância transcendental tem se mostrado bastante atraente, pois faria avançar a proposição kantiana, fazendo com que esta viesse a adentrar no domínio semiótico. Ser semiótico, contudo, insere inexoravelmente o pensamento no domínio fenomênico e, ipso facto, exclui a possibilidade de se postular qualquer instância transcendental alcançável pela Razão e que viesse predicar seus atos com a objetividade dele decorrente. O caráter originariamente abdutivo de toda representação e sua constante submissão à verificação experimental conferem à necessidade das proposições um caráter de prognóstico e não de um determinismo imposto às aparências. A determinação da conduta futura na busca eminentemente ética de seu objeto,
Não menos surpreendente, se pensarmos bem, é a proposta central do Pragmatismo - ou como a partir daquele momento Peirce passaria a denominar, Pragmaticismo - de desenvolver-se como um método de investigação a partir da afirmação que " uma concepção, isto é, o teor racional de uma palavra ou outra expressão reside, exclusivamente, em sua concebível influência sobre a conduta da vida; de modo que, como obviamente nada que não pudesse resultar de um experimento pode exercer influência direta sobre a conduta, se se puder definir acuradamente todos os fenômenos experimentais concebíveis que a afirmação ou a negação de um conceito poderia implicar, ter-se-á uma definição completa de um conceito, e nele não há absolutamente nada mais.
Não é certamente por um puro acaso que estudiosos do pensamento de Peirce e sinceros simpatizantes de sua filosofia, como é o caso sobretudo de Karl-Otto Apel, procuram inserir a este pensamento e a esta filosofia no caudal do idealismo transcendental e vê-los, mesmo, aprimorar o posicionamento kantiano, sem ter que recorrer à dialética totalizante de Hegel ou de Marx.
O Eu penso, como unidade originária da apercepção, garantia à Crítica kantiana representar a priori o domínio completo da Razão tanto em sua função teórica quanto em sua função prática, permitindo que daí se deduzisse todas as formas possíveis de representação da Realidade, aplicassem elas ao conhecimento possível ou exclusivamente ao puro pensamento.
A espessura da trama da linguagem, ou mais precisamente, a espessura de toda e qualquer semiose não era, contudo, levada em conta pelo pensamento clássico, inclusive pelo pensamento kantiano.

Conclusão
Apel preocupa-se mais na sua Filosofia com as questões de semiótica e ética. Ele focaliza com muita incidência a linguagem.

Para Apel a filosofia deve empreender a construção de um conceito de linguagem que torne esclarecíveis as abstracções metódico-operativas aplicadas pelas ciências da linguagem ao travejamento discursivo das ciências particulares; a filosofia deve Permitir a valorização do alcance crítico dos resultados conceptuais alcançados pelas tematizações das ciências da linguagem, e a filosofia deve assumir a reflexão sobre os próprios pressupostos linguísticos da filosofia.

Apel preocupa-se em explicar a respeito da tríplice exigência filosófica que é dela ser esclarecedora, ser crítica e de ser reflexiva.

Na concepção de Apel a linguagem só pode ser pragmática, na medida em que só ela configura o acordo acerca das condições de verificabilidade e ocorrência linguísticas. Para o autor, o paradigma que melhor parece responder a esse inciso pragmático da linguagem encontra-se bem patente na semiótica tridimensional de Charles Morris.
Apel fez o estudo de Pierce, de Kant.

Bibliografia
APEL, Karl-Otto. La Transformación de la Filosofía. vol. 2, Madrid, Taurus, 1985.
__________ Fondement de la Philosophie Pragmatique du Language dans la Sémiotique
Transcendentale" Janeiro de 1988". Cruzeiro Semiótico 8. Janeiro de 1988.

Nenhum comentário:

Postar um comentário