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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Atencao

Amanha lançarei mais conteúdos.

filosofia politica

Filosofia politica na antiguidade

A Política de Aristóteles

 

Aristóteles (384-322 a .C.)

 

Enquanto seu mestre Platão inclinou-se preferencialmente por fazer desenhos de construções sociais imaginárias, utópicas, por projeções sobre qual o melhor futuro da humanidade, Aristóteles, seu discípulo mais famoso, procurou tratar das coisas reais, dos sistema políticos existentes na sua época. Atentou por classificá-los, definindo suas características mais proeminentes, separando-os em puros ou pervertidos. Desta forma, enquanto Platão inspirou revolucionários e doutrinários da sociedade perfeita, Aristóteles foi o mentor dos grandes juristas e dos pensadores políticos mais inclinados à ciência e ao realismo.

 

Aristóteles e Atenas

 

"O homem, quando perfeito, é o melhor dos animais, mas é também o pior de todos quando afastado da lei e da justiça, pois a injustiça é mais perniciosa quando armada, e o homem nasce dotado de armas para serem bem usadas pela inteligência e pelo talento, mas podem sê-lo em sentido inteiramente oposto. Logo, quando destituído de qualidades morais, o homem é o mais impiedoso e selvagem dos animais, e o pior em relação ao sexo e à gula"

 

Aristóteles - "Política", 1252 b.

 

 

Felipe e Alexandre

 

Aristóteles chegou a Atenas com 18 anos para estudar na Academia platônica. Era natural da pequena cidade de Estagira, no norte da Grécia, onde nasceu em 384 a.C., filho de um médico da corte macedônica. Mais tarde, o rei Felipe II, provavelmente por indicação do seu doutor, solicitou-lhe que assumisse a função de preceptor do jovem príncipe, o seu filho Alexandre. Aquele que se tornaria o conquistador do Império persa e um dos maiores generais da história. Regressando a Atenas, após ter cumprido a tarefa, decepcionou-se por Platão, seu mentor intelectual, não tê-lo indicado como seu sucessor na Academia. Em vista disso, resolveu fundar uma escola anexa ao templo de Apolo Liceo, conhecida como escola peripatética ou Liceo. Com a repentina morte de Alexandre o Grande nas terras do Oriente em 323 a.C., Aristóteles viu-se ameaçado por uma agitação antimacedônica, visto que os atenienses o tinham não só como um estrangeiro, um meteco, mas também como um provável agente dos interesses do conquistador. Ameaçado, o filósofo refugiou-se em Cálcis, evitando, como ele disse, que Atenas atentasse novamente contra a filosofia, tal como ocorrera antes dele com Anaxágoras, com Diágoras e Protágoras, e também com Sócrates. Lá, no exílio, ele faleceu em 322 a.C., com pouco mais de sessenta anos.

 

A política

 

A deusa Atena, protetora da cidade

 

Cérebro prodigioso e de saber enciclopédico, Aristóteles compôs dois grandes trabalhos sobre a ciência política: "Política" (Politéia) que provavelmente eram lições dadas no Liceo e registradas por seus alunos, e a "Constituição de Atenas", obra que só se tornou mais conhecida, ainda que em fragmentos, no final do século XIX, mais precisamente em 1880-1, quando foi encontrada no Egito; registra as várias formas e alterações constitucionais que ela passou por obra dos seus grandes legisladores, tais como Drácon, Sólon, Pisístrato, Clístenes e Péricles e que também pode ser lida como uma história política da cidade.

 

A estrutura da obra

 

Aristóteles, preocupação com o mundo real

 

A "Política" (Politéia) divide-se em oito livros, que tratam: da composição da cidade, da escravidão, da família, das riquezas, bem como de uma crítica às teorias de Platão. Analisa também as constituições de outras cidades, num notável exercício comparativo, descrevendo-lhes os regimes políticos. Aristóteles, por sua vez, não foge da tentação de também idealizar qual o modo de vida mais desejável para as cidades e os indivíduos, mas dedica a isso bem menos tempo do que seu mestre. Finaliza a obra com os objetivos da educação e a importância das matérias a serem ensinadas.

 

A política como ciência

 

Aristóteles utiliza-se do termo política para um assunto único: a ciência da felicidade humana. A felicidade consistiria numa certa maneira de viver, no meio que circunda o homem, nos costumes e nas instituições adotadas pela comunidade à qual pertence. O objetivo da política é, primeiro, descobrir a maneira de viver que leva à felicidade humana, isto é, sua situação material, e, depois, a forma de governo e as instituições sociais capazes de a assegurarem. As relações sociais e seus preceitos são tratados pela ética, enquanto que a forma de governo se obtém pelo estudo das constituições das cidades-estados, matéria pertinente à política.

 

A solidão, instrumento da reflexão

 

"Em todas as artes e ciências", disse ele, "o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos."

 

Constituição e governo

 

Segundo o estagirita, governo e constituição significam a mesma coisa, sendo que o governo pode ser exercido de três maneiras diferentes; por um só, por poucos ou por muitos. Se tais governos têm como objetivo o bem comum, podemos dizer que são constituições retas, ou puras. Por outro lado, se os poderes forem exercidos para satisfazer o interesse privado de um só, de um grupo ou de apenas uma classe social, essa constituição está desvirtuada, depravou-se. Nota-se aqui o claro confronto ressaltado por ele entre a busca do bem comum e o interesse privado ou de classe. Quando um regime se inclina para o último, para algum tipo de exclusivismo, voltando as costas ao coletivo, é porque perverteu-se.

 

As formas de governo

 

O exame do comportamento político dos homens, não importando a latitude, mostra que eles sempre se organizaram em três formas de governo: a monárquica (governo de um só), a aristocrática (governo dos melhores) e, finalmente, a democrática (o governo da maioria ou do povo). Essas formas, no entanto, estão sujeitas, como vimos, a serem degradadas pelos interesses privados e pessoais dos homens, sofrendo alterações na sua essência. A tirania e a oligarquia, por exemplo, são deformações da monarquia e da aristocracia que terminam por beneficiar interesses particulares, o do tirano e o do grupo que detém o poder, marginalizando o bem público. Quanto à democracia, Aristóteles lhe manifesta maior simpatia do que Platão, mas indica que ela está sujeita à influência dos demagogos, que constantemente incitam o povo contra os possuidores de bens, causando tentativas revolucionárias. Essas são esmagadas por golpes dados em nome da ordem. A polarização das forças na vida da cidade é estabelecida pelo conflito de interesses contrários: o dos pobres (pró-democráticos) e o dos ricos (a favor da oligarquia).

 

PLATAO

O "Justo Meio" e a Arte Política

 

Como já nos referimos antes, a ciência do político coincidia com o conhecimento supremo do Bem e das Idéias e, portanto, da filosofia.

 

Segundo Platão há dois modos de proceder na medida, que são dois critérios diversos. "Há a medida que tem como base a relação recíproca de grande -pequena, longo-curto, excesso-defeito, e é uma medida de caráter matemático. Há porém a medida segundo a essência que é necessária à geração" [17]. Ou seja, a medida que tem como base o justo meio ou a medida justa, a saber, as Idéias ou essências das coisas, e essa é uma medida que podemos chamar Axiológica, porque se refere a valores ideais (as qualidades) e não a puras quantidades. Este gênero de medida constitui, uma clara superação do pitagorismo, inteiramente análoga à que foi levada a cabo com relação ao eleatismo, com a introdução do "não-ser" como "diverso".

 

O justo meio para Platão, ou melhor dizendo, a justa medida, é oque colocará na administração da pólis a noção do que deve ser melhor oferecido para os cidadão, isto é, ela dará ao filósofo administrador o conhecimento capaz de evitar a injustiça e a corrupção, pois uma vez que o administrador, é um filósofo, que possui o instrumental da filosofia, este será guiado pela ética para o estabelecimento de valores que estarão dispostos da mesma maneira que as idéias em seu mundo, portanto estarão disposta segundo uma hierarquia de valores dos mais elevados decrescendo até os menos elevados que poderão orientar o melhor caminho para a realização plena da pólis e dos cidadãos.

 

Para se ter um conhecimento mais eficaz da justa medida que o administrador deve ter, O filósofo ateniense diz que a vida política é uma arte e ara então compreendemos melhor a vida política, demos compreender melhor do que se trata esta arte. Platão coloca para nós o exemplo da arte, pode ser dividida em duas partes: de um lado colocando todas as Artes que medem o número, o comprimento, a largura, a profundidade, a espessura, com respeito aos seus contrários; do outro as que realizam essas medidas na sua relação com a medida justa, com o conveniente, com o que é oportuno, com o que é dever-ser, e com tudo que tende ao justo meio, fugindo dos extremos.

 

A distinção aplicada, em geral, a todas as artes e de modo específico à arte do político, diremos que ela tem como objeto o justo meio, o dever, o oportuno, o conveniente nas esferas mais importantes da vida da Cidade.

 

A atividade do político distingue-se perfeitamente, desse modo, de uma série de atividades conexas com a política, mas que, na realidade, mostram-se subsidiárias e subordinadas a ela. Assim a retórica se distingue da política porque, enquanto a primeira é atividade de persuasão, a segunda é atividade que decide se é ou não conveniente persuadir (ou usar a força) e por isso é diversa, mas superior.

 

O raciocínio análogo existe para a Arte da guerra, que se ocupa em fazer e vencer a guerra, mas não em decidir se é ou não conveniente fazer a guerra de preferência a manter a paz, decisão que depende justamente a política e também a atividade dos juizes diversa da política e a ela subordinada, porque a primeira se limita a aplicar a lei, enquanto a atividade do político estabelece a lei.

 

Mas o político busca a medida justa ou o justo meio sobretudo na atuação de sua tarefa fundamental que é construir a unidade do Estado partindo de elementos heterogêneos mesmo opostos, dando-lhes uma única força e impondo-lhes um único selo. Com efeito, os homens podem ser divididos segundo dois temperamentos e duas virtudes opostas: de um lado os mansos e temperantes, de outro os audazes, valorosos e fortes.

 

O político deve justamente saber harmonizar esses temperamentos opostos como se compusesse uma tela e um tecido usando fios macios e duros. Ao tecer essa tela, ele fixará a parte divina do homem (a alma) com um "nó" divino e a parte animal (o corpo), como um "nó" humano. O nó divino é o conhecimento dos valores supremos, que amansa as almas audazes e torna sensatas as almas mansas e une as outras com relação ao belo e ao bom numa só opinião.

 

O nó humano, por sua vez consiste em fazer com que, por meio de matrimônios oportunamente combinados, as naturezas opostas se conjuguem, de modo que os temperamentos opostos venham a se equilibrar também do ponto de vista biológico.

 

Portanto, para Sócrates e Platão, não há distinção entre ética e política, porque é evidente a relação entre a ética e a ciência do Estado. E o homem para Platão só pode explicar-se moralmente se explicar-se politicamente.

 

Por fim, Platão quando se refere a justa medida, fala que ela domina as leis, revela seu fundamento de caráter "teológico" afirmando que, a medida de todas as coisas é Deus.

 

Da filosofia política clássica à moderna:

prolusão, contribuição para qualquer teoria jurídica

 

INTRODUÇÃO

 

O texto presente tem a natureza de comentário filosófico livre, sem qualquer preocupação a priori com o uso de recursos técnico-filosóficos típicos nem mesmo com colheita de bibliografias. A sua elaboração foi realizada em razão de discussão acadêmica sobre o pensamento político do homem antigo e do homem moderno e a transição que marcou o paradoxo das duas concepções de valores e compreensões distintas (mas não totalmente díspares), cada qual a serviço da contingência mundana da época.

 

Essa transição do antigo para o moderno realça pontos cruciais que definiram a teoria jurídica moderna e, até mesmo, o pensamento da comunidade teórica e técnica-jurídica brasileira, como herdeira do civil law romano-germânico – sobretudo no que condiz à salvaguarda das primeiras necessidades humanas, as quais se consagraram bens pétreos em todo ocidente, como a vida, a liberdade e a propriedade.

 

A temática explorada não traz clara e evidente a correlação entre esta transição e a teoria jurídica – intenção esta proposital. Versa o texto sobre o contexto geral da transição do antigo para o moderno cabendo ao intérprete, leitor jurídico – interessado – refletir sobre sua própria conclusão, tanto que o texto finaliza-se com uma interrogação.

 

Ora, o ato de filosofar sintetiza-se na terminologia grega SKEPSIS, em tradução, especular, que é analisar, refletir e criticar. Funções estas incumbidas ao leitor não ao escritor.

 

Ao escritor cabe ofertar sua visão sobre o objeto a ser observado. Ao leitor cabe definir seus valores e suas conclusões sobre esse mesmo objeto e, quiçá, transmitir estas "conclusões" a um outro, que cumprirá o mesmo iter daquele que transmitiu àquelas "conclusões" – conclusões entre aspas porque não são verdadeiras conclusões (a não ser sob o aspecto formal, isto é, resultado lógico das premissas que são objeto de observação) mas apenas mais um ponto de partida, mais uma etapa para o alcance do conhecimento. Daí o título de "prolusão para a teoria jurídica", ou seja, prefácio, apriorística para a compreensão da teoria jurídica, principalmente acerca dos valores vida, liberdade e propriedade.

 

Esse processo de desenvolver modos de conhecer esmera-se em ser o próprio ato de filosofar; trata-se do ato de exortar a capacidade de raciocinar pela discussão, a qual dialoga para o fim de desenvolver o raciocínio de transmitir modos de conhecer e, assim, cumprir a didática do aprender e do ensinar, do educar, por teorias que outros homens de outrora já fizeram especular e que outros hoje especulam, e outros futuramente, assim o farão, sempre e sucessivamente. O círculo do "modo de conhecer" - saber investigar (analisar, refletir e criticar) para teorizar (formar conclusões gerais e abstratas) e transmitir este mesmo modo - não deve mas também não pode cessar: o homem é um ser pensante em potencial, o busílis é quais ferramentas e quais pretensões se utiliza para este fim.

 

DO CONTEÚDO DO TEXTO

 

O universo da convivência ética do homem é definido, em sua essência e formas de representação, segundo a condição do pensamento político e econômico próprio da época em que este interage, consoante ao como este constrói sua moralidade enquanto ser individual e coletivo.

No mundo antigo o ser do homem estava atrelado a reta razão despertada pelo atribuído logos (1), que no exercício da contingência, o viabilizava ao hábito de praticar escolhas prudentes e justas, as quais tendo por finalidade o alcance de um ideal coletivo, o bem comum – reforçaria a auto-conservação e reprodução da polis, e logo, da felicidade individual, simples conseqüente. Em termos sintéticos, a finalidade da vida humana era a busca de uma disposição de caráter que fosse capaz de lidar com as paixões diante da superveniência de casos concretos imprevistos e imprevisíveis.

Na base da convivência antiga, a política era tomada como a arquitetura, a infraestrutura que permitia ao homem praticar atitudes prudentes para o vislumbre da virtude desejada. A ética estava inextricavelmente atrelada à política, pois que o pressuposto diretor desta era aquele que apontava a associação humana em comunidades políticas, como algo teleologicamente natural. Sob outros termos, numa acepção teorética aristotélica, graças ao atributo do Logos o homem cumpre a finalidade de desenvolver relações lingüísticas, as quais fundamentadas no cumprimento de interesses e desejos recôndidos no humano, faz com que eles se solidarizem, a partir da convivência política.

Isto posto, a filosofia política clássica, sobretudo interpretada pelo sistema teórico aristotélico – comporta que a finalidade da política é um preceito oriundo da natureza humana, distinguível pelo logos, em cumprir a excelência virtuosa, através de opções e escolhas que permitam o bem comum e o individual. A vocação humana é zoon politikön; a política é uma decorrência espontânea e imanente da espécie humana.

Em reverso, a filosofia política moderna focaliza o ser do homem e seu agir a partir da instabilidade e lutas dadas na convivência da experiência humana. Se para os antigos, a política era oriunda da natureza humana, nos modernos, será um artifício criado para evitar que o mal individual e coletivo se sobreponha ao preceito da garantia tríplice, da vida, da propriedade e liberdade individual. A finalidade da política moderna é traçar o mínimo de calculabilidade que traga um patamar tolerável à proliferação de litígios insidiosos à paz comum.

Como distinção básica, a lógica da racionalidade antiga toma como substancial que o conhecimento humano, guiado pelo logos é capaz de trazer bem-estar aos homens, pois que sendo animais políticos, a organicidade da polis fará com que estes cumpram a vocação à excelência. A política é despertada do íntimo para o externo, por meio de hábitos virtuosos à satisfação de todos integrantes. Já, a lógica da racionalidade moderna, toma a essência humana como obcecada a vanglória da imposição do poder e aquisição de bens, numa competitividade ilimitada e selvagem, configurante da instabilidade geral. Fator que exige o controle externo de um poder capaz de dirimir tais conflitos, sob a crença de que ao homem individual, tal correção, é despropositada – daí a coação e coerção jurídicas.

Em acréscimo, os homens, na filosofia política moderna, não são seres que se agregam para compartilhar uma existência justa e feliz, mas que se relacionam visando imperar seu poder um em relação aos outros. A convivência humana assim, não busca o supremo bem, mas o exitar do supremo mal, a aglutinação feroz de uns em relação aos outros, a partir do controle racional externo, um artifício coercitivo.

A expressão precursora no renascimento, rompimento com o ideal da política clássica, se dá com Maquiavel, quando rechaça a moral cristã como fundamento e finalidade da política, teorizando a construção de uma "moral própria" da natureza "passional" humana aplicada ao "como"manter a unidade e logro de um "poder externo" que preveja e conserve os homens em certa direção, evitando o supremo mal da aglutinação irracional de uns contra outros; vale frisar que, a preocupação deste teórico é traçar a maneira de exercer um poder, e não, como nos antigos, traçar o "como" para a melhor convivência humana. Em Maquiavel, a virtude é como dominar a fortuna (o acaso humano), e não se enfoca em cada homem particular, mas no ardil do soberano em conservar o Estado. O ideal virtuoso se afasta daquele antigo já colocado; ao revés, enfatiza-se na pessoa do soberano em saber mobilizar suas atitudes ‘a exatidão da medida que supervenha no campo governamental valendo qualquer meio, até a morte se for para a manutenção do Estado e, mediatamente, ao bem comum.

Sob o mesmo respaldo, mais tarde, Hobbes justifica que a instabilidade do conviver humano deve ser erradicada, por um poder soberano, indivisível, uno e inalienável, que tenha o condão de evitar o sumo malus; mas que sobretudo, seja forte o suficiente de modo a evitar a anarquia para ele, a ameaça de prevalecer as condições objetivas (2) do que denomina Estado de natureza. Sua preocupação não é diretamente com o uso do poder e suas peculiaridades como Maquiavel, mas com o temor da escassez do poder, com a proeminência da insegurança.

Hobbes - tendo como meta o evitar do Estado da natureza, estágio hipotético onde os homens sendo iguais estão sob a volúpia similar de tudo adquirir a custa da morte generalizada - pretendendo a garantia da incolumidade da vida, da propriedade e do raio mínimo da liberdade humana, toma que o motivo da instabilidade tal se dá pela disparidade de opiniões entre os homens por essência dotados de agonística; e, em sendo assim, deve-se sanar tal ameaça através de uma ética moral que se atrele ao método rigoroso; científico, uma ética demonstrativa capacitada para o controlar o acaso, para evitar o mal; ao propósito, então, põe como solução, por sua vez, que todos os homens temerosos da privação da vida, propriedade e liberdade abdiquem de todo o seu poder pessoal, para a fabricação de uma instituição, de "um relógio", soberano, um poder capaz, de manter a "engrenagem" egoística humana em níveis mínimos de seguridade e estabilidade – o homem é anti-social, o Estado, o leviatã, é o único soberano capaz de trazer paz, desde que partidário de um sistema coercitivo eficaz, qual seja, o direito enquanto instrumento coercitivo (o modelo purista, neo-kantiano que conhece-se pela teoria de Kelsen).

Rosseau - contrapondo-se à lógica de Hobbes no que tange ao Estado de instabilidade do Estado de natureza, bem como a natureza vil do ser humano - afirma que a condição agonística da experiência humana verificada por aquele (Hobbes), é fruto de uma degeneração causada pela agressividade da divisão do trabalho e dos valores atribuídos a propriedade privada instigados no seio social – o intento de Rosseau não era tanto afirmar a bondade do homem, porém negar sua perversidade intrínseca.

A solução descrita por Rosseau em contradição de Hobbes, é o resgate pela razão peculiar a cada indivíduo temperada pela natureza de um "Estado de Natureza" bom e feliz, através da convocação da voz anterior da consciência que, expressada num senso moral espontâneo, rume-se para um pacto comum, viabilizado pela vontade coletiva, em prol de uma soberania política que nada mais seja que o exercício desta vontade coletiva, uma vontade em ação.

A idéia que subjaz tal pacto é aquela na qual o homem é perceptível; é dotado da característica da perfectibilidade, podendo através do artifício político, justificado numa vontade geral, da qual ele é fragmento atuante, edificar uma política que se molde pelos ditames do interesse próprio harmonizado com o interesse comum. A legitimação do poder é decorrente do "material" dado pelo "povo", e não pela legalidade de um soberano.Enfim, a solução é a virtude cívica, um homem capaz de guiar sua ética a um ideal dado pelo e em prol do bem comum – logo, a constituição de um direito positivista, meramente purista, não serviria aos propósitos do modelo rousseauniano.

As teorias políticas, superficialmente descritas, demonstram que o conceito e finalidade de política se adaptam às exigências sociológicas e acuidades próprias de cada tempo – fenômeno social que repercute no fenômeno jurídico, por óbvio. Dentre as inúmeras relevâncias para o tempo contemporâneo, a incursão destas no campo jurídico-filosófico são imensuráveis e, definem a própria teorização jurídica, uma vez que esta floresce das necessidades, interesses e poderes do fenômeno social, político e econômico, ainda que se apresente – tal como no purismo jurídico – (falsamente) alheia a estas conjunturas que redundam em normas programáticas.

Os contratualistas Hobbes e Rosseau, bem como, o precursor da ciência política, Maquiavel tiveram seus pensamentos aplicados na estrutura das convenções modernas e sobretudo, foram responsáveis pelo projeto político sob o qual se vive hoje. A concepção de direito natural, no que toca a um código de preceitos dados ao homem pela razão de assim ser, justificam os limites do império das legislações normativas.

O jusnaturalismo moderno foi revitalizado na Constituição Americana de 1776, na Revolução Francesa de 1789 e, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como um conteúdo que norteia a todo homem. A igualdade abstrata é universal do direito à vida, amplo à propriedade e à locomoção efetiva do ir e vir e, pressuposto para a igualdade substancial, que dada a conjuntura das necessidades, desdobrou-se na positivação de direitos sociais e econômicos – um elastério aos direitos civis e políticos.

Repisando, Aristóteles participa da concepção de direito atual, também, no que toca à validade, à justa do conteúdo normativo aplicado à solução da lide in concretu (justiça comutativa), bem como do dominium econômico do crescimento e desenvolvimento da nação pelo conceito da justiça distributiva.

Maquiavel e sua teorização, por sua vez, provocou a separação da ética privada e pública uma inédita regulação que deu a consagração administrativa de direitos públicos e privados e, agora, a criação de direitos difusos, como categoria intermediária. Frisa-se, este último uma nota na idéia de que o público e o privado não comportam limitações tão precisas e definitivas.

De tudo, a lógica da política clássica toma o ser do homem comutado ao abrir, permitido pelo Logos e, orientado por um ideal paideia ético em prol da conservação do todo – o acaso existe, e é impossível de ser dominado. A lógica da política moderna toma o ser do homem distanciado de seu agir, este é incapaz de ser racional por si, de se auto-discernir, então, cabe a política como instituição extroversa, fazer " treinar" a individualidade. Para a primeira um direito atrelado à justiça, ética de convicção. Para a segunda, um direito atrelado ao resultado, quase que divorciado da justiça, ética da contingência.

Sem mais, a racionalidade antiga e a racionalidade moderna perturbam a teoria e prática contemporânea no que toca a investigar e talvez concluir o que é o ser humano atual e sua razão de ser e existir – e, logo, também a teorização jurídica. Qual é o perfil do direito positivo e sua ciência atual?.

Respostas prontas são impossíveis e, ante a contingência e valores plurais e divergentes tornam-se passíveis de rapidamente estarem diferidas e ser facilmente aglutinadas. Tarefa difícil é teorizar, sobretudo juridicamente, pois que todos os paradigmas já foram testados, com pouco êxito.

 Um "re-começo" – como alude os "pós-modernos", reformando ou revolucionando - poderia, em análise rudimentar, partir para a assertiva aristotélica, qual seja o acaso é regra e não exceção. Os homens não devem seguir cânones, mas criarem seus próprios através da análise, crítica e reflexão. Mas será ao homem possível tal investigação, já que é produto moral da racionalidade vazia e superficial do Império dos valores atuais? Termina-se com mais uma aporia e com o impulso de que especular é sempre o prefácio para o reconstruir de teorias que expliquem a realidade, sobretudo a jurídica.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

domingo, 30 de maio de 2010

"Geração" de viragem: utopia ou realidade!

SR. DIRECTOR!Antecipo, agradecimentos pela publicação deste artigo no jornal que V.Excia dirige com prudência, graças a mestria DA vossa equipa técnica. A humanidade sempre foi caracterizada por uma sucessão de gerações, com ideologias que definem uma determinada visão do mundo. A juventude moçambicana não é excepção destas leis sócio-culturais e ideológicas, que sempre procuram, deste a pré-história, construir um projecto futuro da humanidade. 
Maputo, Segunda-Feira, 24 de Maio de 2010:: Notícias

Em Moçambique passaram várias gerações, que importa apenas salientar, a “Geração 25 de Setembro”, a “Geração 8 de Março”, cujos objectos comuns se enquadram Numa única perspectiva ideológica, virar Moçambique para bem-estar do seu povo. A terminologia geração de viragem não é uma excepção dos conceito antecedentes, onde o termo “geração” ritma em todas as expressões ideológicas, “geração 25 de Setembro, geração 8 de Março”, embora está última não se trate de um movimento juvenil político, mas sim uma necessidade imperiosa para o país fazer face à fuga massiva dos quadros do Governo colonial.

Foram recrutados jovens de todas as faixas etárias para ocupar cargas e postos de confiança no Governo para virar o cenário que se assistia pós independência. Jovens de faixas etárias dos 20-25, 25-30, entre outras, foram chamados, queira sim ou queira não, a abandonar os estudos para se filiar nas forças da luta contra a pobreza. É a mesma geração que está em certos cargos de soberania e que ainda está a dirigir os destinos dos moçambicanos na luta contra pobreza.

A expressão “geração de viragem” além de carregar consigo um sentido político, trata-se de uma extrapolação das gerações antecedentes, que visa segundo a explicação do Presidente da República, Armando Guebuza, chamar a juventude a engajar-se na luta contra a pobreza. Gostaria de esclarecer que, a pobreza não é um fenómeno acidental. Porém, a definição de pobreza do PARPA II é, “Impossibilidade por incapacidade de/ou falta de oportunidade dos indivíduos, famílias e comunidades de terem acesso às condições básicas mínimas, segundo as normas básicas da sociedade”. Em contrapartida, pobreza humana é a falta da capacidade humana básica, como analfabetismo, mal nutrição, esperança de vida reduzida, saúde materna fraca, incidência de doenças preveníveis, bens, serviços e infra-estruturas básicas – saneamento, água potável, educação, comunicações, energia, etc.

Aglutinando ambas as abordagens conceituais pode-se perceber que, a pobreza não é apenas a falta de recursos de subsistência, mas também a falta de oportunidades onde, tanto o cidadão comum, assim como os gestores dos bens públicos têm uma responsabilidade perante esta situação em que o povo moçambicano se encontra.

Se é verdade que a “geração de viragem” é chamada a inspirar-se no combate à pobreza então, é verdade também afirmar que a mesma é chamada a engajar-se, directa ou indirectamente, na luta pele mesma. Para o efeito, o termo “pobreza” não deve ser um expressão politizada, mas sim, algo que deve tocar com a sensibilidade de todos os moçambicanos.

O ser humano nasce com uma cultura de trabalho embora as culturas diversifiquem as formas de trabalho, seja um trabalho sustentável ou não. A sobrevivência do ser humano na terra impõem a cultura de trabalho para se alimentar e cuidar da sua família. É responsabilidade do chefe de família conduzir sua família a bom porto, rumo ao bem-estar. Da mesma forma, é responsabilidade de quem dirige os destinos do povo moçambicano, conduzir o seu povo com mestria rumo ao desenvolvimento, criando oportunidades para todos de emprego, de financiamento, de investimento, de formação, etc.

Todavia, o slogan “geração de viragem” não rima em consonância com a definição da pobreza usado no PARPA II, assim como com o actual modelo de governação.

Primeiro, os jovens apenas ganham expressão política pelo voto popular que não influencia directamente no processo de tomada de decisão quanto à governação. Segundo, suas acções interventivas no combate à pobreza absoluta são marginais, pois não têm nenhum poder decisivo no processo de governação, como seria de esperar, o contrário da geração 25 de Setembro e 8 de Março, em que alguns jovens foram chamados assumir cargos de soberania no Governo (ministros, governadores, directores, etc.), o contrário da geração de viragem.

A verdade manda questionar: quantos jovens estão nas posições de tomada de decisão no processo de governação? Quantos deputados jovens no Parlamento, quantos jovens governadores, ministros ou vice-ministros, directores ou jovens que estão, directa ou indirectamente nas áreas de soberania ou afins, com poder de influenciar a tomada de decisão quanto à boa governação? Então que poder “ de viragem” que estes jovens têm, enquanto ocupando cargos marginais no processo de governação?

Convidar a juventude a embarcar na geração de viragem rumo ao combate à pobreza, impõem a necessidade da inclusão de uma massa juvenil significativa no processo de tomada de decisão quanto à governação.

A “geração 8 de Março” surgiu para contrariar um fenómeno, o contrário da “geração de viragem”, porque a pobreza não é um fenómeno, mas sim uma fase que o povo moçambicano está a passar, e quer passar o mais rápido possível. Se a militância da geração de viragem é contra a pobreza, então será necessário criar uma geração que vai lutar contra a corrupção e outra contra o espírito de deixa andar, um dos grandes constrangimentos do desenvolvimento.

Senhor Presidente da República, em nome de todos os jovens moçambicanos, solicito a V.Excia uma revisão do actual modelo da governação para ajustar-se ao slogan “geração de viragem”, no sentido de incluir a juventude no processo de tomada da decisão quanto à governação, de modo a que os jovens se sintam directamente engajados na missão que lhes é incumbida com responsabilidade ética e profissional.

A ideia não é demitir todas entidades que estão nos cargos de soberania (ministros e vice-ministros, governadores, directores, etc.), mas sim incluir uma quota significativa da massa juvenil, não necessariamente nos cargos de liderança, mas sim nos cargos decisórios de governação.

É preciso criar uma representatividade juvenil em todos processos de governação para que a “geração de viragem” possa engajar-se directamente no combate à pobreza.

SOBRE A GERAÇÃO DA VIRAGEM

(Texto do Analista político Egidio Vaz, publicado a propósito do debate em torno da Geração da Viragem, termo adoptado pelo Presidente de Moçambique Armando Guebuza para apelidar a juventude Moçambicana na actualidade )

colegas,

Era minha intenção não intervir neste debate (sobre a Geração da Viragem) porque o acho bastante complexo. Pessoalmente e do ponto de vista metodológico e historiografico, sinto que alguém está sim a colocar a carroça à frente dos bois. A nomenclatura de gerações é normalmente feita a posteriori e não a priori,da mesma forma como se procede em relação à heroificação de um indivíduo . E para tal, procede-se à um conjunto de metodologias, revisita-se a história, verificam-se vários factos históricos; vários acontecimentos e por último, agarra-se num facto para metonímicamente caracterizar a toda uma geração. E por falar específicamente em gerações, importa referir que se está a fazer vista grossa à um pormenor bastante importante para a História deste país. Se quisermos historiar o processo político, social e económico deste país através de gerações, veremos que da dita geração 25 de Setembro á Geração 8 de Março vão aproximadamente menos de 25 anos, que é normalmente o comprimento que separa as gerações. Pior, se por geração se quer caracterizar a todo um período histórico do país, com suas especificidades, então teremos um grande problema em relação ao mérito da geração 8 de Março, devido a problemas que ela arranjou e não resolveu: a morte de Samora Machel, a Guerra dos 16 anos, etc. Assim, Afonso Dhlakama, André Matsangaísse, o General Bobo aka Hermínio Morais (que derrubou a ponte sobre Dona-Ana) seriam também parte indiscutível da geração 8 de Março de que hoje nos orgulhamos! Sobre este potno, falarei numa outra ocasião.
Para o que nos interessa, acho que o Presidente da República decidiu apelidar-nos por geração de viragem para "saciar a fome de uma clique de jovens" da Frelimo que procura uma identidade própria e, por essa via, um lugar ao sol no seio de várias correntes e grupos de interesse do partido Frelimo e assim reclamar um quinhão.
Na verdade todas gerações são/foram de viragem. Viragem contra o estado colonial, buscando a independência; viragem da Província Ultramarina de Moçambique para a República Popular de Moçambique; viragem do sistema socialista/monopartidário para multipartidário e de economia orientada para o mercado, etc.
É essencialmente de actos heróicos indeléveis que distingue uma geração da outra. Ora, chamar-nos de uma geração de viragem não passa de facto de uma piada!
Primeiro porque ela no fundo não existe. Não faz sentido aceitarmos um título porque o trabalho mal começou.
Segundo, porque do ponto de vista metodológico, esse acto equipara-se sim ao acto de colocar a carroça a frente dos bois. Estamos ainda no começo de uma geração; mal se consegue vislumbrar o futuro do país; o país vive à sombra dos feitos da geração 25 de Setembro; os jovens enfrentam problemas básicos, que de forma sistemática torpedeam a sua emancipação; difícil é imaginar sairmos do fundo deste poço como fez oBarão de Münchhausen.
Terceiro, porque na verdade, não seremos nós, a avaliar o nosso trabalho; não estamos em melhores condições para aferir a diferença que fazemos no presente ou faremos no futuro, quando as outras gerações nos suceder. Serão outros a fazê-lo mas nunca a geração 25 de Setembro. E a modéstia obriga-me a agradecer pela gentileza e declinar o título. Pelo menos eu não faço parte da geração de viragem.
Mas voltemos ao princípio para compreendermos porque então o PR decidiu apelidarmos de geração de viragem.
Em primeiro lugar digo que foi sim um acto jocoso. Está a gozar connosco. No fundo, ele até nem assim nos considera. Para quem está atento, e relendo as passagens de colegas, tiradas dos vários discursos do PR, ele impõe condições para que assim sejamos considerados. Por outras palavras, o PR está a dizer aos "seus jovens" que ainda não fizeram nada. E se quisermos merecer alguma distinção, devemos fazer qualquer coisa útil e heróica para este povo. Como se não bastasse, ele aponta algumas dessas coisas. A subtileza da sua linguagem e a ironia patente nos seus discursos e mensagens, fazem com que a maioria de jovens distraídos não seja capaz de ver, pensar e agir. Logo correram em assumir que o PR disse que nós eramos a geração de viragem, qual rolas em fuga debandada!
Segundo, o PR só assim procede porque a Frelimo vive um dilema interessante: o conflito geracional por um lado e a necessidade de garantir a passagem tranquila do testemunho sem contudo descaracterizar a essência do que a Frelimo é, por outro. Não é por acaso que os conceitos deJovem e sangue novo são na Frelimo, polissêmicas. Meses antes de Armando Guebuza assumir a secretaria-geral da Frelimo, falava-se aos quatro ventos da necessidade de se injectar na Frelimo sangue novo. A ideia que a maioria tinha era de que Eduardo Mulémbue ou Hélder Muteia seriam finalmente o sucessor de Joaquim Chissano. Mas, a medida que nos iamos aproximando do momento exacto, apareceu o histórico Nihia numa longa entrevista do Noticias a explicar o verdadeiro sentido de sangue novo e da juventude. Foi nessa altura que ficamos claros. Armando Gubuza foi assim o sangue novo e o jovem que a Frelimo elegeu para assumir a liderança da Frelimo e por essa via chegou a liderança do país.
Há bem pouco tempo, o General Hama Thai veio pôr as coisas muito bem claras, quando em entrevista ao Magazine Independente disse que os Jovens eram capazes de vender o país. O debate levou muitos dias, até que ele voltou a explicar o sentido dessa "venda". Em todo esse processo, fica patente o receio que a Frelimo nutre pela sua juventude, com óbvias consequências para o país inteiro!
E porque a Juventude da Frelimo quer que lhe seja reconhecida algum mérito pelas vitórias que o partido e o governo vêm somando; pelo sucesso dalguns dos seus programas e, acima de tudo, porque estatísticamente o país é essencialmente jovem e daí inferir-se a ideia de que são jovens que dão vitória a Frelimo e seus candidatos, vai assim a Frelimo apelidar à sua juventude de geração de viragem, por outras palavras, geração de nada.

Em vez de discutirmos o trocadilho de palavras, seria útil se os jovens da Frelimo preocupassem-se em aumentar o seu capital político e influência dentro da Frelimo, no Governo e na agenda do próprio PR para assim lograrmos ter um programa de governo que tenha na Juventude, o seu centro de acção. Se calhar, esse seria o primeiro passo para uma verdadeira VIRAGEM em todas suas facetas! E depois, os outros procuriam um nome para designar a nossa geração.

Egidio Vaz

sábado, 29 de maio de 2010

Karl Otto Apel

Introdução

A era moderna tinha como projecto a emancipação do homem da natureza através da técnica, a emancipação do homem das ditaduras através da democracia, a emancipação do homem de Deus através da razão.

Mas o projecto da modernidade falhou, isto é, a modernidade não conseguiu superar todos os males; o que se viu surgir uma nova era- a chamada era pós-moderna ou a era das telecomunições.

Nesta perspectiva, o trabalho ora presente diz respeito a cadeira de Filosofia da Pós-modernidade e visa falar de Karl Otto Apel, principais pensamentos deste, sua doutrina e tese.

De referenciar que o trabalho não tem por intenção esgotar o tema, mas falar em linhas gerais do pensamento de Apel, tudo porque o rigor científico não permite esgotar um determinado tema. Esperamos que o mesmo sirva de material de consulta aos estudantes bem como ao público em geral que se interessem pelo tema.

1.Vida e obra de Karl Otto Apel
Karl Otto Apel nasceu em Düsseldorf na Alemanha aos 15 de março de 1922) é Professor Emérito da Johann Wolfgang Goethe-Universität de Frankfurt am Main .
Licenciado em Bonn e doutor em filosofia em Mainz, em 1960. Foi professor em Kiel (1962-1969), Saarbrücken (1969-1972) e na Johann Wolfgang Goethe-Universität, (1972-1990).
Apel Tornou-se um dos teóricos mais influentes da Escola de Frankfurt, após a morte de Adorno, no final da década de 1960. Crítico do cientificismo positivista por considerá-lo redutor da razão, na linha defendida pelos frankfurtianos, Apel elaborou trabalhos sobre a ética comunicativa e se assume como um dos restauradores da filosofia prática.
O trabalho de Apel incorpora elementos tanto da Filosofia analítica como do pragmatismo e da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.
No plano da crítica ao racionalismo positivista, faz uma clara distinção entre a compreensão e a explicação. Em seu livro Understanding and Explanation: A Transcendental-Pragmatic Perspective, Apel reformula a diferença entre entendimento (Verstehen) e explicação (Erklärung), contidos na hermenêutica de Wilhelm Dilthey e na sociologia interpretativa de Max Weber, com base em uma concepção transcendental- pragmática de linguagem, inspirada em Charles Peirce. Essa concepção do "mundo da vida" tornar-se-ia um elemento da teoria da ação comunicativa e do discurso ético, que Apel a princípio desenvolveu com seu amigo e colaborador Jürgen Habermas.
Embora basicamente concorde com a teoria da ação comunicativa de Habermas, Apel é crítico com respeito a alguns aspectos da abordagem do colega. Apel defende que a teoria da communicação deva basear-se nas condições pragmático-transcendentais da comunicação e assim, depois de um ponto de partida comum, Habermas e Apel seguiram caminhos diferentes. Habermas encaminhou-se para um "transcendentalismo fraco", mais próximo da pesquisa social empírica.
Apel também escreveu diversos trabalhos sobre Peirce e foi presidente da 'Charles Sanders Peirce Society.
2.A base do pensamento Linguístico da Filosofia de Karl Otto Apel

Apel mostra que a transformação linguística da filosofia mediante uma transformação filosófica da linguagem, não pode consistir em instalar a linguagem, entendida como instância mediadora da racionalidade, no paradigma sujeito-objecto ratificado pela clássica teoria transcendental do conhecimento, como se o modelo kanteano de "consciência em geral" funcionasse in extremis como "sujeito transcendental da linguagem". Por outro lado, a transformação da filosofia, postulada por Apel, também não pode consistir numa mera identificação do sujeito transcendental do conhecimento com o limite linguístico do mundo (tal como parece ser exigido por uma "lógica transcendental" da forma linguística pura).
“Todos os intentos para transformar a prima philosophia a partir do ponto de vista estrito de uma filosofia da linguagem, quer analítica (seja ela sintática, semântica ou pragmática), quer hermenêutica, quer mesmo semiótica, tendem estruturalmente ao fracasso”( APEL, 1985:123). Sempre que não se extraiam com as consequências radicais do facto de não se poder entender o pensamento inscrito numa linguisticidade (e por via disso, a própria validação justificacional do conhecimento) como função de uma consciência “solipsisticamente” concebida, mas sim como função que resulta de uma reflexão filosófica sobre e mediante a linguagem, reflexão essa, para Apel, transcendentalmente dependente de um a priori comunicacional.
É precisamente na esteira desse sentido crítico, que a tarefa apeleana de fundamentar a filosofia em plena era da linguagem, sem cair fatalmente nas armadilhas conceptuais não só da suspeita analítica contra a “metafísica” , como também da conjutura “pós-moderna” contra a razão, pressupõe um “regresso” -não uma regressão!- à doutrina transcendental.
A filosofia de Apel não pretende pois repensar sequer o enxerto da teoria tradicional do conhecimento no binómio clássico sujeito-objecto. Pretendê-lo seria, não só carregar ainda de forma implícita com o pesado fardo da herança “solipsística” da filosofia cartesiano-kanteano-husserliana da consciência, como admitir também a imunidade canónico-transcendental do subjectivismo que a epistemologia contemporânea contempla, ao reduzir fáctico-naturalístico-instrumentalmente o sujeito da teoria e da praxis a um objecto de saber manipulável.
Se não quiser chegar irremediavelmente atrasada, quer em relação à flecha evolutiva dos acontecimentos, quer ao estado actual das discussões teórico-éticas, a filosofia de que Apel pretende ser porta-voz terá, nesta viragem de milénio, de assumir radicalmente a tarefa de empreender uma desconstrução consequente da filosofia do sujeito, à luz de uma re-transcendentalização da linguagem e, “inter-remissivamente”, de proceder a uma fundamentação crítica da linguagem re-transcendentalizada à luz de uma justificação a priorística da comunicacionalidade.
“Substituir uma metafísica do "eu penso" pela metafísica crítica da formação do consenso numa comunidade real de comunicação, nisto deve consistir, portanto, a "transformação da filosofia".( Idem:127).
A base de uma concepção transformacional de filosofia, é que poderemos erigir o pensamento de Apel como "crítica da comunicacionalidade pura", numa cultura epistemologicamente formatada por três paralogismos "quase-comunicacionais":
- O paralogismo social da interferência mediática (falácia da comunicação de massa), incapaz de resolver o "aparente" dilema entre a opção maximalista pelos factos de relevância pública e a obsessão minimalista pelos detalhes da vida privada;
- O paralogismo político da participação cívica (falácia do pluralismo democrático), incapaz de contornar a "aparente" dicotomia entre a uniformidade das decisões maioritárias e a ideossincrasia das opções individuais; e finalmente
- O paralogismo ético da intervenção ecológica (falácia da aldeia global) incapaz de superar o "aparente" contraste entre o teor individualista de uma moral submetida aos ditames de uma consciência pessoal e o cunho pluralista de uma moral sujeita ao imperativos de uma responsabilidade colectiva.

Da dissolução teórica destes três paralogismos depende tão só o facto de concebermos a filosofia de Apel como proposta renovada e fecunda de um novo modelo de racionalidade. Modelo esse que teremos de situar inter-remissivamente:

a). Por um lado, numa discursividade que responde eticamente perante o(s) outro(s) no estofo transcendental de uma comunicação actuante, constituidora em última instância da própria condição de possibilidade do discurso;
b). Por outro lado, numa eticidade exercida discursivamente com o(s) outro(s) no estofo transcendental de uma acção comunicativa, constituidora em última instância da própria condição de possibilidade da ética.

3. O que é a linguagem?

Nunca como na actualidade houve uma consciência tão clara de que a palavra linguagem, mais do que um objecto sobre o qual as ciências se debruçam empiricamente (a par de outros objectos "intra-mundanos"), evoca um problema fundamental, não só para as ciências linguísticas, mas também para a ciência, e mesmo para a filosofia.

Paralelamente à emergência dessas novas questões assistiu-se a uma "reorientação" do escopo teórico das ciências humanas: averiguar a a virtualidade linguística dos seus objectos e dos seus procedimentos metodológicos.

A essa averiguação linguística não é de todo estranho o surto disciplinar de áreas de reflexão, tais como a “psicolinguística” , a “sociolinguística” , a “metalinguística” , a “semântica do texto” , etc. A teia formada por essas áreas resultou na constituição de um nicho interdisciplinar que possibilitou o "contacto" das ciências humanas com as questões da linguagem, e criou as condições propícias para a sua consequente "autonomização" epistemológica.

A teoria da linguagem deixa pois de ser conotada como ancilla scientiae, para se assumir como ciência do real.

“Todavia, a teorização do acontecimento linguístico numa óptica exclusivamente científica não preenche de todo os requisitos formais de uma adequada determinação do conceito de linguagem. Essa determinação não compete às "ciências da linguagem", mas à filosofia.”( idem: 129).

Mais ainda: no entender de Apel, compete a "uma" filosofia capaz de compreender que a formação filosófica de conceitos, na era das ciências particulares, não só deverá basear-se na abstracção metódica realizada pelo "entendimento", mas também na superação das abstracções do entendimento, constitutivas do objecto, levada a cabo pela razão.

3.1.A filosofia face a linguagem
Mesmo admitindo que a filosofia não possa ser senão teoria da ciência, ainda assim a filosofia só sairá desse impasse na medida em que facultar à construção teórica das ciências particulares uma determinação fecunda do conceito de linguagem, mediante o concurso de uma reflexividade crítica.( APEL,1988: 19).

São três os requisitos transcendentais que, no entender de Apel, se colocam à filosofia, a partir do momento em que pretende construir um conceito de linguagem, independentemente das tematizações abstractivas das ciências particulares:

a) A filosofia deve empreender a construção de um conceito de linguagem que torne esclarecíveis as abstracções metódico-operativas aplicadas pelas ciências da linguagem ao travejamento discursivo das ciências particulares;

b) Permita valorizar o alcance crítico dos resultados conceptuais alcançados pelas tematizações das ciências da linguagem,

c) Assuma a reflexão sobre os próprios pressupostos linguísticos da filosofia.

3.2. Os caminhos da tríplice exigência filosófica na determinação do conceito de linguagem na mediação linguística
Exige-se que que se tome em conta a tríplice exigência filosófica (esclarecedora, crítica e reflexiva) na determinação do conceito de linguagem na mediação linguística.

Para Apel o caminho que torna possível a pretendida determinação filosófica do conceito de linguagem consiste em mostrar que a linguagem possui uma magnitude transcendental no sentido kanteano; mais precisamente ainda: está em posse das condições que possibilitam e validam o acordo e auto-acordo, e, nesse sentido, o pensamento conceptual, o conhecimento objectivo e o agir com sentido.

“Tal tarefa não se egota porém nos limites do exercício da razão científica, quer dizer, não visa apenas a textura da construção dos enunciados conceptuais e teóricos da ciência, mas estende-se ao próprio âmbito gnoseológico da constituição intersubjectiva do conhecimento enquanto tal”.( Idem:29).

De forma mais explícita, poderíamos afirmar com Apel que a reflexão sobre a linguagem tem de estar dependente de uma filosofia transcendental que responda à pergunta pelas condições de possibilidade e validade das convenções.

É precisamente nesta acepção transcendental que temos de situar em Apel o sentido de uma transformação da filosofia.

Tal transformação deve ser realizada não só ao nível da sua vertente teórica, como também no plano da sua dimensão prática. Com efeito, a possibilidade de uma fundamentação ética depende também da possibilidade de a "filosofia prática" estar meta-eticamente mediada por um uso da linguagem e, nessa medida, por uma filosofia da linguagem.

Para que a filosofia cumpra a tarefa de fundamentar uma teoria da ciência e uma filosofia prática, a explicitação do conceito transcendental da linguagem tem de satisfazer por seu turno duas exigências: uma desconstrutiva e outra reconstrutiva.

Quer dizer: em primeiro lugar, importa desconstruir criticamente a ideia de linguagem, esclarecendo a génese e as sedimentações históricas do conceito, desde a filosofia clássica grega até hoje; em segundo lugar, é necessário reconstruir criticamente a noção de transcendentalidade, mostrando que a filosofia crítica pode "corrigir" a sua trajectória, no domínio de uma racionalidade configurada pela linguagem.

É mediante esta "desconstrução" e "reconstrução" críticas da linguagem que Apel intenta esclarecer dois aspectos: por um lado, que as determinações científicas da linguagem não são "falsas" mas insuficientes; por outro, que o único critério capaz de reconstruir o sentido da transcendentalidade depende da possibilidade ou não de se superarem duas das grandes dicotomias da filosofia moderna e contemporânea, a saber, a consciência face à linguagem, a teoria face à prática.

3.3. A teoria do conhecimento no trânsito da consciência para a linguagem.
São três as formas pelas quais se podem unir, segundo Apel, os conceitos de linguagem e verdade :
a) Ou pensar imediatamente numa investigação etimológica que vise o que classicamente ficou designado por "rectitude onomástica" no seguimento da querela em torno da origem natural ou convencional da linguagem;
b) Ou "dilatar" o âmbito clássico do objecto da linguagem, fazendo-o incidir já não na questão da "adequação" e "origem", mas na questão do seu "teor", tal como se encontra referido no conhecido axioma de W. von Humboldt, "as línguas não são propriamente meios para representar a verdade já conhecida, mas sobretudo para descobrir a que antes era desconhecida (...); que a sua diversidade não é a dos sons e signos, mas uma diversidade de visões do mundo;
c) ou, ainda, conduzir as duas alternativas anteriores até às ultimas consequências, extraindo daí as condições "operativas" que mais tarde permitirão a Boole, Peano e Frega dar corpo à aspiração leibnitzeana de uma "linguagem universal.

Apel mostra, porém, que este tipo de acercamento lógico-sintático da linguagem remonta já aos pressupostos históricos da lógica simbólica, de que Leibniz, e posteriormente Boole, tinham feito: o formalismo, a abstracção por parte do intelecto calculador de todo o conteúdo com sentido na linguagem, esgota-se numa combinatória de signos; no formalismo operativo da sintaxe dos signos linguísticos o que permanecerá pela primeira vez esclarecida é a essência do "significado" em sentido filosófico e, a partir dela, da "verdade" filosófica.
No entender de Apel a linguagem só pode ser pragmática, na medida em que só ela configura o acordo acerca das condições de verificabilidade e ocorrência linguísticas.

Para o autor, o paradigma que melhor parece responder a esse inciso pragmático da linguagem encontra-se bem patente na semiótica tridimensional de Charles Morris.

4. Karl Otto Apel e a interpretação do pensamento de Peirce e Kant
A proposta lançada por Peirce de, com a Semiótica , determinar como devem ser todos os signos para uma inteligência capaz de aprender com base na experiência e de, com a doutrina do Pragmaticismo, determinar para qualquer conceito todos os efeitos práticos concebíveis que dele venham a decorrer, exige que se investigue qual o fundamento que a sustenta.
A hipótese que tal fundamento se encontra em alguma instância transcendental tem se mostrado bastante atraente, pois faria avançar a proposição kantiana, fazendo com que esta viesse a adentrar no domínio semiótico. Ser semiótico, contudo, insere inexoravelmente o pensamento no domínio fenomênico e, ipso facto, exclui a possibilidade de se postular qualquer instância transcendental alcançável pela Razão e que viesse predicar seus atos com a objetividade dele decorrente. O caráter originariamente abdutivo de toda representação e sua constante submissão à verificação experimental conferem à necessidade das proposições um caráter de prognóstico e não de um determinismo imposto às aparências. A determinação da conduta futura na busca eminentemente ética de seu objeto,
Não menos surpreendente, se pensarmos bem, é a proposta central do Pragmatismo - ou como a partir daquele momento Peirce passaria a denominar, Pragmaticismo - de desenvolver-se como um método de investigação a partir da afirmação que " uma concepção, isto é, o teor racional de uma palavra ou outra expressão reside, exclusivamente, em sua concebível influência sobre a conduta da vida; de modo que, como obviamente nada que não pudesse resultar de um experimento pode exercer influência direta sobre a conduta, se se puder definir acuradamente todos os fenômenos experimentais concebíveis que a afirmação ou a negação de um conceito poderia implicar, ter-se-á uma definição completa de um conceito, e nele não há absolutamente nada mais.
Não é certamente por um puro acaso que estudiosos do pensamento de Peirce e sinceros simpatizantes de sua filosofia, como é o caso sobretudo de Karl-Otto Apel, procuram inserir a este pensamento e a esta filosofia no caudal do idealismo transcendental e vê-los, mesmo, aprimorar o posicionamento kantiano, sem ter que recorrer à dialética totalizante de Hegel ou de Marx.
O Eu penso, como unidade originária da apercepção, garantia à Crítica kantiana representar a priori o domínio completo da Razão tanto em sua função teórica quanto em sua função prática, permitindo que daí se deduzisse todas as formas possíveis de representação da Realidade, aplicassem elas ao conhecimento possível ou exclusivamente ao puro pensamento.
A espessura da trama da linguagem, ou mais precisamente, a espessura de toda e qualquer semiose não era, contudo, levada em conta pelo pensamento clássico, inclusive pelo pensamento kantiano.

Conclusão
Apel preocupa-se mais na sua Filosofia com as questões de semiótica e ética. Ele focaliza com muita incidência a linguagem.

Para Apel a filosofia deve empreender a construção de um conceito de linguagem que torne esclarecíveis as abstracções metódico-operativas aplicadas pelas ciências da linguagem ao travejamento discursivo das ciências particulares; a filosofia deve Permitir a valorização do alcance crítico dos resultados conceptuais alcançados pelas tematizações das ciências da linguagem, e a filosofia deve assumir a reflexão sobre os próprios pressupostos linguísticos da filosofia.

Apel preocupa-se em explicar a respeito da tríplice exigência filosófica que é dela ser esclarecedora, ser crítica e de ser reflexiva.

Na concepção de Apel a linguagem só pode ser pragmática, na medida em que só ela configura o acordo acerca das condições de verificabilidade e ocorrência linguísticas. Para o autor, o paradigma que melhor parece responder a esse inciso pragmático da linguagem encontra-se bem patente na semiótica tridimensional de Charles Morris.
Apel fez o estudo de Pierce, de Kant.

Bibliografia
APEL, Karl-Otto. La Transformación de la Filosofía. vol. 2, Madrid, Taurus, 1985.
__________ Fondement de la Philosophie Pragmatique du Language dans la Sémiotique
Transcendentale" Janeiro de 1988". Cruzeiro Semiótico 8. Janeiro de 1988.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

sexta-feira, 14 de maio de 2010

KANT


Vida e Obras

Immanuel Kant nasceu, estudou, lecionou e morreu em Koenigsberg. Jamais deixou essa grande cidade da Prússia Oriental, cidade universitária e também centro comercial muito ativo para onde afluíam homens de nacionalidade diversa: poloneses, ingleses, holandeses. A vida de Kant foi austera (e regular como um relógio). Levantava-se às 5 horas da manhã, fosse inverno ou verão, deitava-se todas as noites às dez horas e seguia o mesmo itinerário para ir de sua casa à Universidade. Duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do Contrato Social de Rosseau, em 1762, e a notícia da vitória francesa em Valmy, em 1792. Segundo Fichte, Kant foi "a razão pura encarnada".

Kant sofreu duas influências contraditórias: a influência do pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, tomada pelas novas idéias). Acrescentemos a literatura de Hume que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Russeau, que o sensibilizou em relação do poder interior da consciência moral.

A primeira obra importante de Immanuel Kant - assim como uma das últimas, o Ensaio sobre o mal radical - consagra-o ao problema do mal: o Ensaio para introduzir em filosofia a noção de grandeza negativa (1763) opõe-se ao otimismo de Leibnitz, herdeiro do otimismo dos escoláticos, assim como do da Aufklärung. O mal não é a simples "privatio bone", mas o objeto muito positivo de uma liberdade malfazeja. Após uma obra em que Kant critica as ilusões de "visionário" de Swedenborg (que pretende tudo saber sobre o além), segue-se a Dissertação de 1770, que vale a seu autor a nomeação para o cargo de professor titular (professor "ordinário", como se diz nas universidades alemãs).


Nela, Kant distingue o conhecimento sensível (que abrange as instituições sensíveis) e o conhecimento inteligível (que trata das idéias metafísicas). Em seguida, surgem as grandes obras da maturidade, onde o criticismo kantiano é exposto. Em 1781, temos a Crítica da Razão Pura, cuja segunda edição, em 1787, explicará suas intenções "críticas" (um estudo sobre os limites do conhecimento). Os prolegômenos a toda metafísica futura (1783) estão para a Crítica da Razão Pura assim como a Investigação sobre o entendimento de Hume está para o Tratado da Natureza Humana: uma simplificação brilhante para o uso de um público mais amplo. A Crítica da Razão Pura explica essencialmente porque as metafísicas são voltadas ao fracasso e porque a razão humana é impotente para conhecer o fundo das coisas. A moral de Kant é exposta nas obras que se seguem: o Fundamento da Metafísica dos Costumes (1785) e a Crítica da Razão Prática (1788). Finalmente, a Crítica do Juízo (1790) trata das noções de beleza (e da arte) e de finalidade, buscando, desse modo, uma passagem que una o mundo da natureza, submetido à necessidade, ao mundo moral onde reina a liberdade.

Kant encontrara proteção e admiração em Frederico II. Seu sucessor, Frederico-Guilherme II, menos independente dos meios devotos, inquietou-se com a obra publicada por Kant em 1793 e que, apesar do título, era profundamente espiritualista e anti-Aufklärung: A religião nos limites da simples razão. Ele fez com que Kant se obrigasse a nunca mais escrever sobre religião, "como súdito fiel de Sua Majestade". Kant, por mais inimigo que fosse da restrição mental, achou que essa promessa só o obrigaria durante o reinado desse príncipe! E, após o advento de Frederico-Guilherme III, não hesitou em tratar, no Conflito das Faculdades (1798), do problema das relações entre a religião natural e a religião revelada! Dentre suas últimas obras citamos A doutrina do direito, A doutrina da virtude e seu Ensaio filosófico sobre a paz perpétua (1795).
A Ciência e a Metafísica

O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso?

Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contigente. À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes).

Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis?

Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priori, necessários e universais?

É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias são necessárias e universais. O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber.

Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível.

No entanto, diz Immanuel Kant, é por isso que não conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio em que pudesse aplicar suas forças".

Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar incessantemente, mesmo além de toda experiência possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" porque supõe realizada a unificação completa dos meus estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador porque busca um fundamento do mundo que seja a unificação total do que se passa neste mundo... Mas privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão, como louca, perde-se nas antinomias, demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre posso me perguntar: que havia antes do começo do universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos dados na experiência (aquecimento e ebulição), o metafísico abusa da causalidade na medida em que se afasta deliberadamente da experiência concreta (quando imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da experiência, pois so o mundo é objeto de minha experiência). O princípio da causalidade, convite à descoberta, não deve servir de permissão para inventar.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O DESENVOLVIMENTO MORAL SEGUNDO PIAGET

 No aspecto moral, segundo Piaget, a criança passa por uma fase pré-moral, caracterizada pela anomia, coincidindo com o "egocentrismo" infantil e que vai até aproximadamente 4 ou 5 anos. Gradualmente, a criança vai entrando na fase da moral heterônoma e caminha gradualmente para a fase autônoma.

 Piaget afima que essas fases se sucedem sem constituir estágios propriamente ditos. Vamos encontrar adultos em plena fase de anomia e muitos ainda na fase de heteronomia. Poucos conseguem pensar e agir pela sua própria cabeça, seguindo sua consciência interior.

ANOMIA

HETERONOMIA

AUTONOMIA

A : negação

NOMIA: regra, lei

A lei, a regra vem do exterior, do outro

Capacidade de governar a si mesmo

 

 Na fase de anomia, natural na criança pequena, ainda no egocentrismo, não existem regras e normas. O bebé, por exemplo, quando está com fome, chora e quer ser alimentado na hora. As necessidades básicas determinam as normas de conduta. No indivíduo adulto, caracteriza-se por aquele que não respeita as leis, pessoas, normas. 

 Na medida em que a criança cresce, ela vai percebendo que o "mundo" tem suas regras. Ela descobre isso também nas brincadeiras com as criança maiores, que são úteis para ajudá-la a entrar na fase de heteronomia. 

 Na moralidade heretónoma, os deveres são vistos como externos, impostos coercitivamente e não como obrigações elaboradas pela consciência. O Bem é visto como o cumprimento da ordem, o certo é a observância da regra que não pode ser transgredida nem relativizada por interpretações flexíveis. De certa forma, a intolerância da Igreja, por qualquer interpretação diferente da sua, referente ao Evangelho, manteve a humanidade na heteronomia moral. O bem e o certo estavam na Igreja, no Estado e não na consciência interior do indivíduo.

 A responsabilidade pelos actos é avaliada de acordo com as consequências objectivas das acções e não pelas intenções.

 O indivíduo obedece as normas por medo da punição. Na ausência da autoridade ocorre a desordem, a indisciplina.

 Na moralidade autónoma, o indivíduo adquire a consciência moral. Os deveres são cumpridos com consciência de sua necessidade e significação. Possui princípios éticos e morais. Na ausência da autoridade continua o mesmo. É responsável, auto-disciplinado e justo. A responsabilidade pelos actos é proporcional à intenção e não apenas pelas consequências do acto.

 O processo educativo deve conduzir a criança a sair de seu egocentrismo, natural nos primeiros anos, caracterizado pela anomia, e entrar gradualmente na heteronomia, encaminhando-se naturalmente para a sua própria autonomia moral e intelectual que é o objectivo final da educação moral. 

 Esse processo de descentração conduz do egocentrismo (natural na criança pequena) caracterizado pela anomia, à autonomia moral e intelectual.

 As actividades de cooperação, num ambiente de respeito mútuo, embaçado na afectividade, preservam do egoísmo e do orgulho, auxiliando a criança no longo processo de descentração, conduzindo-a gradativamente da heteronomia para a autonomia moral. Um ambiente de medo, autoritarismo, respeito unilateral tende a perpetuar a heteronomia.

 Do egocentrismo inicial a criança, gradualmente, vai "saindo" de si mesma, ampliando sua visão de mundo e percebendo que faz parte de um todo maior.

 Gradualmente, aprende a cooperar, a respeitar e a amar o próximo.

 

 

terça-feira, 20 de abril de 2010

Piaget e a consciência moral

RESUMO

Este artigo apresenta os principais resultados de uma pesquisa sobre a teoria da moral de Jean Piaget. No estudo de seus textos sobre a moral, utilizamos o método da análise estrutural. Essa análise possibilitou-nos descobrir em Recherche o seu plano inicial de pesquisa e propor uma interpretação original do significado de seu livro O julgamento moral na criança. Além disso, constatamos que ele buscou traçar o caminho que conduz o ser humano da anomia à autonomia moral. Esses resultados permitiram explicar por que a sua teoria da moral, assim como a sua teoria do conhecimento, pode ser compreendida como um kantismo evolutivo.

Piaget e a consciência moral

É verdade que Piaget dedicou a sua vida, principalmente, a responder à questão de como é possível ao homem alcançar o conhecimento (Ramozzi-Chiarottino, 1972). Mas, quando consideramos o conjunto de sua obra, podemos constatar também que ele jamais deixou de escrever sobre a questão moral, ainda que suas idéias sobre esse tema estejam dispersas e, não raras vezes, em textos insuspeitos.

Em nosso estudo sobre a moral piagetiana, partimos da afirmação de que as idéias de Piaget sobre a moralidade são inseparáveis de seu projeto epistemológico (Ducret, 1990; Freitag, 1992; Vidal, 1994). Neste artigo, apresentamos os principais resultados desse estudo: o projeto do jovem Piaget, por que ele escreveu O julgamento moral na criança e aquilo que de seu projeto inicial sobre a moral foi realizado. Além disso, explicamos por que a sua teoria sobre a moral, assim como a sua teoria do conhecimento, pode ser entendida como uma espécie de kantismo evolutivo (Piaget, 1959; Ramozzi-Chiarottino, 1984).

Estamos convencidos de que, para se compreender a obra de grandes pensadores, é preciso considerar-se o conjunto da obra e não apenas um ou outro texto ou aspecto isolado. Por essa razão retomamos a análise estrutural realizada por Ramozzi-Chiarottino (1972) e utilizamos o mesmo método para a análise dos textos escritos por Piaget sobre a moral.

Esse método requer que se estude a obra a partir de sua lógica interna. Para descobrir essa lógica, o pesquisador deve responder à seguinte questão: qual foi a intenção do autor ao planejar a sua obra? É necessário identificar e analisar os seus conceitos a fim de se encontrar uma resposta a essa pergunta. O principal objetivo de nosso estudo foi, justamente, demonstrar qual foi a intenção de Piaget no que diz respeito à moral.

Os principais resultados de nosso estudo sobre a moral piagetiana foram os seguintes: 1- a descoberta do projeto de Jean Piaget; 2- por que ele escreveu O julgamento moral da criança e 3- o caminho a ser percorrido pelo ser humano da anomia à conquista da consciência moral autônoma.

O Projeto do Jovem Piaget

O livro publicado por Piaget (1918) quando ele era ainda muito jovem foi tomado por alguns comentadores de sua obra como um texto autobiográfico. Nós entendemos, porém, que Recherche é apenas em parte, autobiográfico. Na última parte desse livro, Piaget (1918) propõe um sistema que deveria ser entendido - diz ele - como "um programa de pesquisas" (p. 148).

Embora ele tenha renunciado à reflexão solitária e decidido assentar o seu "edifício" no campo da ciência, isso não significa que ele tenha abandonado as idéias capitais de seu sistema (Ducret, 1984). Prova disso é que, muitos anos mais tarde, Piaget (1976) reconhece, ainda, nessas páginas escritas na juventude, "um esquema antecipador" de suas pesquisas ulteriores:

(...) já estava claro para mim que o estado de equilíbrio do todo e da parte correspondia a estados de consciência de natureza normativa: necessidade lógica ou obrigação moral, por oposição às formas inferiores de equilíbrio que caracterizam os estados de consciência não-normativos (...). (p. 7)

Segundo Ramozzi-Chiarottino (1998), nós podemos identificar em Recherche todos os elementos da teoria do conhecimento que Piaget construiu ao longo de sua vida: uma teoria inspirada no equilíbrio biológico e cujas leis que regem o pensamento são aquelas da lógica clássica. Mas uma leitura atenta de Recherche nos mostra também que ele aspirava propor uma teoria sobre a moral, conforme constatamos, por exemplo, na seguinte passagem: "Ora, eu pretendo que, precisando suficientemente a evolução biológica, se chega a fundar uma moral da obrigação e uma moral única, sem tergiversação possível" (Piaget, 1918, p. 174). Nós podemos perguntar o que aconteceu com essa intenção de Piaget, presente em Recherche.

Por que Piaget Escreveu o Julgamento Moral na Criança?

Sendo Piaget um cientista, ele acreditava que o sistema exposto em Recherche deveria ser submetido a um controle experimental. Assim sendo, O julgamento moral na criança pode ser entendido como a primeira tentativa de submeter as suas idéias sobre a moral a uma verificação empírica.

Piaget (1932/1992) atenta para o fato de que havia um acordo entre autores de diferentes orientações teóricas quanto ao fato de que o respeito é o sentimento fundamental da vida moral. O mesmo não ocorria, contudo, quanto as relações entre o respeito e a lei moral. Em vários textos, ele contrapõe, de um lado, Immanuel Kant e Émile Durkheim e, de outro, Pierre Bovet: para Kant e Durkheim, o respeito é conseqüência da lei moral, ou seja, é na medida em que o indivíduo obedece a lei moral que ele é respeitado; segundo Bovet, o respeito às pessoas é condição prévia da lei moral, visto que o indivíduo atinge o respeito à Lei através das pessoas. Piaget procura dirimir as divergências em torno dessa questão submetendo-a ao método genético. Nós podemos compreender, então, o seu livro O julgamento moral na criança como um estudo psicogenético sobre as relações entre o respeito e a lei moral.

No que tange a essas relações, Piaget (1928, 1930, 1932/1992) toma o partido de Bovet (1912) e atribui, explicitamente, a origem de suas pesquisas ao artigo Les conditions de l'obligation de conscience. Bovet (1910), em um trabalho anterior, já revelara sua intenção de aplicar o método da psicologia experimental ao estudo dos sentimentos morais: "Tratar-se-ia de mostrar que os fatos concretos que estão na base das construções da ética podem ser objeto de um estudo conduzido seguindo os métodos da psicologia científica." (p. 305)

O seu artigo Les conditions de l'obligation de conscience faz parte desse projeto. Bovet (1912) procurou estabelecer quais são as condições necessárias para que o sujeito sinta que deve (ou não deve) agir de uma determinada maneira. Segundo ele, duas condições são necessárias e juntas, suficientes para que surja a consciência de obrigação no sujeito: 1) que uma consigne seja dada; 2) que essa consigne seja aceita por aquele que a recebe. Ele definiu uma consigne como uma ordem ou proibição: 1) dada sem indicação precisa nem de motivos nem de sanções; 2) válida até novo aviso; 3) que diz respeito a um ato subordinado a circunstâncias exteriores que devem ser reconhecidas pelo sujeito.2 Para que uma consigne seja aceita, o seu autor deve ter prestígio ou autoridade aos olhos daquele que a recebe, ou seja, deve existir uma relação de respeito.

Poucos anos antes, Ferenczi (1909/1991) escrevera algumas belas linhas sobre por que as crianças obedecem a seus pais. Segundo ele, é porque há uma relação de amor entre a criança e seus pais que ela os obedece de bom grado.

Poder-se-ia esperar que elas considerassem as exigências de seus pais visando orientar seu comportamento e atos como uma coerção exterior, portanto uma fonte de desprazer. Com efeito, é esse o caso nos primeiros anos de vida, quando a criança só conhece satisfações auto-eróticas. Mas o aparecimento do amor objetal modifica a situação por completo. Os objetos de amor são introjetados: são mentalmente integrados ao ego. A criança ama seus pais, ou seja, identifica-se com eles, sobretudo com o do mesmo sexo ... Nessas condições, a obediência deixa de ser um desprazer... Naturalmente, essa obediência espontânea tem um limite que varia segundo os indivíduos e, quando esse limite é transposto pelas exigências dos pais, quando a pílula amarga da coerção não está envolta na doçura do amor, a criança retira prematuramente sua libido dos pais, o que pode levar a uma perturbação brutal do desenvolvimento psíquico. (Ferenczi, 1909/1991, p. 101)

Inspirado nessa idéia, Bovet (1912) define o respeito como "...uma relação sui generis de natureza afetiva, na qual o amor e o medo são, em doses diversas, os constituintes característicos". (p. 118)

Piaget (1932/1992) incorpora a concepção de Bovet (1912) e, através deste, também a idéia de Ferenczi (1909/1991). No entanto, ele percebe uma limitação na tese de Bovet: "como, se todo dever emana de personalidades superiores a ela, a criança adquirirá uma consciência autônoma?" (Piaget, 1932/1992, p. 308). Em suas pesquisas, ele busca uma resposta a essa pergunta.

Piaget (1932/1992) encontra no jogo de regras um terreno propício para o estudo da questão de como é possível a aquisição de uma consciência autônoma. As regras do jogo, como as regras morais - diz ele - "... se transmitem de geração em geração e se mantêm unicamente graças ao respeito que os indivíduos têm por elas" (p. 2). Todavia, há uma diferença essencial: enquanto as normas morais são impostas pelos adultos, as regras do jogo, pelo contrário, são elaboradas apenas pelas crianças. Para Piaget (1932/1992), o fato de que essas regras não têm um conteúdo moral propriamente dito não era relevante, visto que, neste ponto, ele estava inteiramente de acordo com Bovet (1912): "Com efeito, como Bovet mesmo, aliás, reconheceu sem cessar ... os deveres não são obrigatórios por causa de seu conteúdo, mas pelo fato de emanarem de indivíduos respeitados" (Piaget, 1932/1992, p. 311).

Em contrapartida, se o respeito é um sentimento que se desenvolve na criança em função da interação que ela estabelece com o seu meio social, interessava a Piaget (1932/1992) o tipo de relação social estabelecida. Ele distingue dois tipos de relação social: a coação social e a cooperação. Ele define a coação social como "... toda relação entre dois ou n indivíduos na qual intervém um elemento de autoridade ou de prestígio" e cooperação como "... toda relação entre dois ou n indivíduos iguais ou que acreditam ser iguais, ou seja, toda relação social na qual não intervém nenhum elemento de autoridade ou de prestígio" (Piaget, 1928/1977, pp. 225-226). Ele encontra na comunidade de pequenos jogadores - na qual a influência do mundo adulto é bastante reduzida - uma coletividade de iguais.

Os resultados de suas pesquisas sobre as regras do jogo levam-no a sustentar a tese kantiana da existência de duas morais: a moral da heteronomia e a moral da autonomia. Além disso, Piaget (1932/1992) levanta a hipótese de que existiria um processo evolutivo em direção à segunda. Essa hipótese foi corroborada mediante o estudo dos efeitos da coação social e da cooperação na formação da consciência moral do sujeito. O seu estudo sobre a mentira visou estudar os efeitos da coação social sobre a consciência moral da criança e seus resultados foram controlados com as pesquisas sobre os desajeitamentos e o roubo (capítulo II). O principal objetivo das pesquisas realizadas sobre a noção de justiça na criança foi estudar os efeitos da cooperação entre iguais (capítulo III).

Da Anomia à Autonomia Moral

Desde antes da publicação de O julgamento moral na criança, Piaget (1930) defende a idéia da existência de um paralelismo entre o desenvolvimento da lógica e da moral no ser humano. Posteriormente, no curso que ministrou na Sorbonne, Piaget (1954) estende esse paralelismo ao mostrar que as construções cognitivas caminham pari passu com a constituição dos sentimentos. Em outras palavras, ele traça um paralelo entre o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento da afetividade e mostra que a emergência dos sentimentos morais faz parte de um processo mais amplo: o desenvolvimento da afetividade. Já em O julgamento moral na criança nós encontramos a idéia de que as relações afetivas que se estabecem entre os seres humanos estão na origem da ação moral: "... a condição primeira da vida moral (...) é a necessidade de afeição recíproca" (Piaget, 1932/1992, p. 138). Assim como ele explicou por qual caminho o organismo humano constrói as estruturas mentais na interação incessante que estabelece com o meio físico e social, ele buscou explicar também o percurso que conduz o ser humano da anomia à autonomia moral.

Em um primeiro momento, a regra confunde-se com o hábito: há regularidades, mas a criança não as sente como obrigatórias, ou seja, não há normas propriamente ditas. Em função disso, Piaget (1932/1992) chamou de anomia a esse período do desenvolvimento moral. Não há consciência de obrigação nesse período, porque é somente por volta de 1½ - 2 anos que ocorre a primeira diferenciação eu-outrem, condição necessária para que as trocas inter-individuais, isto é, as interações sociais propriamente ditas, sejam possíveis. A idéia de Bovet (1912) foi corroborada pelo estudo sobre as regras do jogo: para que haja sentimento de obrigação é necessário que se estabeleça uma relação entre, no mínimo, dois indivíduos.

A originalidade e o interesse dessa tese [de Bovet] consistem em definir o sentimento de obrigação não do lado apenas do sujeito, mas no interior de uma relação inter-individual. Dito de outra maneira, o sentimento de obrigação não somente tem origem em uma tal relação (como em Baldwin): ele a implica constantemente. (Piaget, 1954, p. 527)

Segundo Piaget (1941/1977), no ponto de partida, o respeito é "... a expressão do valor atribuído aos indivíduos, por oposição às coisas ou aos serviços" (p. 127) e ele define o valor como "uma troca afetiva com o exterior, objeto ou pessoa" (Piaget, 1954, p.355).

O respeito unilateral é a primeira forma de respeito que aparece no desenvolvimento do ser humano. Esse sentimento constitui-se nas relações de coação social, cujo protótipo é a relação estabelecida entre a criança e seus pais ou com outros adultos significativos para ela. A obediência tem origem nesse tipo de relação. A criança atribui um valor absoluto às normas, opiniões e valores desses adultos. Ela imita os exemplos que eles lhe dão e adota a sua escala de valores. Todavia, Piaget (1932/1992) constatou que a obediência conduz a uma atitude paradoxal: o sujeito considera a regra como sagrada e imutável, mas, na prática, ele não a segue. Ele denominou "realismo moral" a tendência da criança (e do adulto que permanece criança) a considerar os deveres como exteriores ao indivíduo, a seguir as normas ad litteram, sem compreender o seu espírito, e a julgar a gravidade de uma falta em função do resultado do ato ou do caráter material do ato e não em função da intenção do agente. O realismo moral é produzido pela conjunção do egocentrismo com a coação social.

Vários comentadores da teoria piagetiana não entenderam que, do ponto de vista do desenvolvimento moral, o respeito unilateral é essencial; outros, confundiram respeito unilateral e desrespeito. Mas por que o respeito unilateral é fundamental para o desenvolvimento moral do ser humano? Porque é "no quadro preparado" pelo respeito unilateral que formas superiores de respeito se tornam possíveis. Em outras palavras, o respeito unilateral é condição necessária (mas não suficiente) para que se construam outras formas de respeito. Além disso, se os adultos impõem à criança certos valores como devendo ser respeitados, ela pode compartilhar os valores de sua cultura e, mais tarde, organizar a sua própria tábua de valores.

As pesquisas que Piaget (1932/1992) realizou sobre os efeitos da cooperação entre iguais sobre a consciência moral da criança mostraram-lhe que, graças a esse tipo de relação social, um outro tipo de respeito pode constituir-se: o respeito mútuo. Há respeito mútuo quando os indivíduos se atribuem reciprocamente valores equivalentes. Em um primeiro momento, esse tipo de relação é possível entre aqueles que compartilham uma mesma escala de valores (as classes de co-valorisant).

A relação de cooperação impõe apenas a norma de reciprocidade que obriga cada um a se colocar mentalmente no lugar do outro. Em função disso, a atitude da criança em relação às regras muda: 1) a regra não é mais sagrada e imutável; ela torna-se o produto contingente da vontade coletiva; 2) a criança compreende a diferença entre uma regra e uma lei e que nem sempre a regra é justa; 3) ela admite, então, que a modificação da regra não significa, necessariamente, uma transgressão. Dito de outra forma, o sujeito descobre a sua capacidade de instituir normas. Está dado o primeiro passo em direção à conquista da consciência moral autônoma.

Contudo, se a reciprocidade fosse possível apenas entre os indivíduos que compartilham os mesmos gostos, opiniões e valores, o ser humano ficaria restrito às classes de co-valorisants. Eis por que Piaget (1941/1977) estabelece a diferença entre a reciprocidade espontânea - típica das relações de amizade - e a reciprocidade normativa, na qual a substituição recíproca dos pontos de vista torna-se uma obrigação. Em suas pesquisas empíricas, Piaget (1932/1992) não foi além das relações de simpatia, regidas pela reciprocidade espontânea, mas já nesse momento ele deixa claro que tais relações estão fora da esfera moral: "quanto à simpatia, não reveste, aos olhos da consciência, nada de moral por si mesma: não basta ser sensível para ser bom" (p. 315).

No entanto, ele considera a reciprocidade espontânea condição necessária para que a reciprocidade normativa de ordem moral se torne possível. Por que a reciprocidade se torna obrigatória? Porque "o respeito mútuo implica a necessidade da não-contradição moral: não se pode, ao mesmo tempo, valorizar o seu parceiro e agir de modo a ser desvalorizado por ele" (Piaget, 1954, p. 535). Eis aquilo que Piaget (1944/1977) considera "a verdade essencial da tese kantiana":

...Uma norma moral adotada por um indivíduo em relação a um outro não pode ser contraditória em relação àquelas que ele aplica a um terceiro, etc, nem em relação àquelas que ele gostaria que se observasse em relação a ele próprio. Tal é mesmo a significação essencial do universal moral: não é necessariamente a regra 'geral' (sabe-se, aliás, que em lógica o universal e o geral, de modo algum, coincidem), mas a coerência interna das condutas, a reciprocidade. (Piaget, 1944/1977, p. 199)

Aquele que não compreende o princípio de não-contradição não é, portanto, capaz de ter um comportamento ético, visto que ele não tem as condições a priori para sê-lo. Segundo a teoria piagetiana, esse princípio é construído graças as trocas que o sujeito estabelece com o meio e, do ponto de vista psicogenético, ele aparece, ao mesmo tempo, no pensamento e na ação: o primeiro torna-se lógico e a segunda, moral.

A substituição recíproca de pontos de vista é a condição que define a reciprocidade normativa de ordem moral. Respeitar o outro consiste, então, em atribuir à sua escala de valores um valor equivalente ao da sua própria escala. Isso não significa, absolutamente, adotar a escala de valores do outro, pois, nesse caso, não importa o conteúdo dos valores ou convicções de cada um, mas sim o fato de se ter uma escala de valores. A própria pessoa, então, reveste-se de um valor moral (Piaget, 1941/1977).

Graças a constituição da vontade, o indivíduo pode superar seus desejos imediatos e a conservação dos valores propriamente dita torna-se possível. O exercício da vontade manifesta-se no conflito entre duas tendências, por exemplo, como no caso em que se vacila entre um prazer tentador e um dever. Quando o dever, momentaneamente, esmorece diante do desejo, a vontade restabelece a ordem dos valores. Dessa forma, é possível que a tendência, inicialmente, mais fraca torne-se a mais forte. Piaget (1954, 1964/1989) comparou a vontade à operação lógica. Segundo ele, a vontade equivale, no plano afetivo, às operações, no plano cognitivo: a capacidade operatória liberta o ser humano das ilusões perceptivas; a vontade, dos desejos e interesses imediatos, o que lhe permite estabelecer fins prioritários a longo prazo, ou seja, construir um projeto de vida. Mais tarde, o pensamento formal abre novas possibilidades: ao mesmo tempo que o sujeito se torna capaz de raciocinar sobre hipóteses, os fins de sua ação ultrapassam as fronteiras do real, dando origem a Valores (ideais), tais como a igualdade, a justiça, a solidariedade, a liberdade...

A capacidade de ser normativo, a constituição da vontade e a construção de Valores possibilitam a formação completa da personalidade. Podemos falar em personalidade, no sentido piagetiano, a partir do momento em que o indivíduo elabora um projeto de vida, quando ele incarna um ideal. A personalidade é um instrumento, ao mesmo tempo, de autodisciplina e de cooperação com os outros: o eu torna-se personalidade, na medida em que renuncia a si mesmo, inserindo o seu ponto de vista entre os outros, e se curva às normas da reciprocidade.

Segundo Piaget (1933/1977), a personalidade autônoma é "o produto mais refinado da socialização" (p. 245). Por quê? Porque - entendemos nós - é somente em uma relação de respeito mútuo entre personalidades autônomas que é possível, simultaneamente, a diversidade e a igualdade. Cabe lembrar que ele sempre esteve preocupado com as possibilidades da espécie humana e não com a concretização dessas possibilidades. Da mesma forma que nem todo o indivíduo atinge o pensamento formal, nem todos chegam a formar uma personalidade autônoma; pelo contrário, "... a consciência adulta autônoma é um produto social recente e excepcional" (Piaget, 1944/1977, p. 186).



Considerações Finais

Ramozzi-Chiarottino (1984) chamou atenção para o fato de que o próprio Piaget (1959) considerava a sua teoria do conhecimento como um kantismo evolutivo. Os resultados de nosso estudo indicam que também a sua teoria sobre a moral pode ser entendida como um kantismo evolutivo. Para Kant, todo ser humano é capaz de agir eticamente; para Piaget, todo o ser humano pode tornar-se capaz de ação moral, graças às trocas que estabelece com o meio.

Com efeito, é essencial compreender que, se a criança traz consigo todos os elementos necessários à elaboração de uma consciência moral ou 'razão prática', como de uma consciência intelectual ou razão, simplesmente, nem uma nem outra são dadas prontas no ponto de partida da evolução mental e uma e outra se elaboram em estreita conexão com o meio social: as relações da criança com os indivíduos dos quais ela depende serão, portanto, propriamente falando, formadoras, e não se limitarão, como geralmente se acredita, a exercer influências mais ou menos profundas, mas de alguma maneira acidentais em relação à própria construção das realidades morais elementares. (Piaget, 1972/1988, p. 95)

No sistema de Kant, a problemática moral é essencial. Para o filósofo, parece que a sua monumental Crítica da Razão Pura era apenas um trabalho preliminar.

Em vez de todas as considerações, cujo competente desenvolvimento constitui, de fato, a dignidade própria da filosofia, ocupar-nos-emos agora de tarefa menos brilhante, mas não menos meritória, que é a de aplainar e consolidar o terreno para o majestoso edifício da moral, onde se encontra toda a espécie de galerias de toupeira, que a razão, em busca de tesouros, escavou sem proveito, apesar de suas boas intenções e que ameaçam a solidez dessa construção. (Kant, 1787/1989, p. 312)

Piaget, parece-nos, planejara seguir os passos de Kant. Em Recherche, ele escreve que Sébastien (que é ele mesmo) "... acreditara ser possível uma filosofia do valor puro, um pouco como aquela da Razão prática, e ele a tinha reservado para coroar o seu edifício" (Piaget, 1918, p. 100). Ou seja, após explicar como é possível ao homem alcançar o conhecimento, ele estaria apto a propor a sua ética. Essa era a intenção de Piaget.

Segundo Ramozzi-Chiarottino (1998), a teoria do conhecimento esboçada em Recherche tornou-se, pouco a pouco, uma teoria científica sobre o psiquismo humano quando este busca explicar o mundo. Além de mostrar por qual caminho o organismo humano constrói as estruturas mentais - estruturas orgânicas específicas para o ato do conhecimento - na interação com o meio físico e social, Piaget construiu modelos abstratos para explicar o funcionamento dessas estruturas: a lógica operatória e a implicação significante. "Em um primeiro momento, Piaget diz que toma a lógica como um modelo descritivo daquilo que ele observou. Em um segundo momento, ele criará um modelo explicativo do raciocínio das crianças, que obedece às regras da lógica,..." (Ramozzi-Chiarottino, 1998, p. 337).

Em seu Essai sur la théorie des valeurs qualitatives en sociologie statique, Piaget (1941/1977) defende a utilização de "modelos abstratos" para exprimir em termos mais precisos a troca de valores, valendo-se de uma "axiomática de ordem logística" como ele o fizera no estudo do pensamento. Isso nos faz pensar que ele aspirou, além de explicar como a partir do mundo amoral da criança pequena é possível ao homem agir eticamente (Freitas, 1999), estender o domínio de aplicação dos modelos lógico-matemáticos e, dessa forma, talvez, criar uma teoria científica da consciência moral "sem tergiversação possível".

Referências

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