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segunda-feira, 19 de abril de 2010

O ENSINO DOS VALORES EM KOHLBERG

A Vida
Lawrence Kohlberg doutorou-se em Psicologia na Universidade de Chicago, em 1958, com uma Tese de Doutoramento sobre o Raciocínio Moral em Rapazes Adolescentes. Antes de se doutorar, Kohlberg ofereceu-se como voluntário para integrar a tripulação de um navio mercante norte-americano que conduziu ao novo Estado de Israel dezenas de judeus, recém-libertados dos campos de concentração nazis. A experiência na construção do novo Estado de Israel e o contacto com os campos de extermínio nazis seriam acontecimentos marcantes na sua vida. De origem judaica, Kohlberg aderiu, bastante cedo, a uma ética humanista, de influência kantiana. Na psicologia, a sua maior influência foi a obra de Piaget, em particular, o livro Le Jugement Morale Chez les Enfants, que leu enquanto estudante universitário. Professor de Psicologia do Desenvolvimento na Graduate School of Education da Harvard University, Kohlberg fundou e dirigiu, durante vários anos, o Center for Moral Education. Morreu em 1987.

A Obra
Lawrence Kohlberg dedicou toda a sua vida adulta ao estudo do desenvolvimento moral. Grande parte dos seus estudos foram publicados inicialmente em revistas científicas e, mais tarde, foram reunidos em dois volumes, de cerca de 500 páginas cada, publicados, em 1981 e 1983, na Harper and Row, com o título de Essays on Moral Development I e II- The Philosophy of Moral Development and The Psychology of Moral Development. Dos seus inúmeros artigos publicados em revistas, é possível destacar os seguintes: "The Child as Moral Philosopher", Psychology Today, Setembro de 1968, 25-30; "Moral Education and the New Social Studies", Social Education, XXXVII, 5, 1973, 369-75; "Moral Education in the Schools: A Developmental View", School Review, LXXIV, 1, 1996, 1-29. Muitos dos seus estudos foram publicados em obras colectivas, tais como: "The Moral Atmosphere of the Schools", in Readings in Moral Education, ed. Peter Scharf, Winston Press 1978; "Educating for a Just Society: An Updated and Revised Statement", in Moral Development, Moral Education and Kohlberg, ed. Brenda Munsey, Religious Education Press1980; "Revisions in the Theory and Practice of Moral Development", in New Directions for Child Development: Moral Education, nº 2, ed. William Damon, Jossey Bass, 1978; "The relationship of Moral Education to the Broader Field of Value Education", in Values Education: Theories, Practice, Problems, Prospects, ed. J.Meyer, B. Burnham e J. Cholvat, Wilfid Laurier University Press, 1975. Em Portugal, a teoria de Kohlberg tem conhecido um interesse crescente nos meios académicos. Orlando Lourenço, professor de Psicologia do Desenvolvimento na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e Júlia Oliveira-Formosinho, docente de Educação de Infância no Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho têm sido os autores portugueses que mais têm publicado sobre Desenvolvimento e Educação Moral, no quadro da teoria de Kohlberg. Das suas inúmeras obras, destaco as seguintes: Orlando Lourenço. Psicologia do desenvolvimento Moral - Teoria, Dados e Implicações. Livraria Almedina.1992; Orlando Lourenço. Educar Hoje Crianças para o Amanhã. Porto Editora. 1996; Júlia Oliveira-Formosinho e outros. Educação Pré-escolar - A Construção Social da Moralidade. Texto Editora. 1996; Júlia Oliveira Formosinho e outros. Modelos de Educação de Infância. Porto Editora. 1996. A teoria de Kohlberg tem sido usada como enquadramento teórico, em várias Teses de Mestrado e de Doutoramento, apresentadas em Universidades portuguesas, nas últimas duas décadas. A Tese de Doutoramento de Orlando Lourenço foi, a esse nível um trabalho pioneiro: Orlando Lourenço (1988). Altruísmo: Generosidade ou Inteligência Sócio-cognitiva? Lisboa. INIC. Este autor tem vindo a publicar uma obra vasta e inovadora que pretende constituir-se como um desenvolvimento da teoria de Kohlberg. Uma grande parte dos seus estudos estão publicados nas revistas Análise Psicológica, Cadernos de Consulta Psicológica, Psychologica e Revista Portuguesa de Educação.

A Teoria da Educação Moral
Lawrence Kohlberg é o nome mais importante deste século no âmbito da educação moral. A sua investigação domina praticamente todos os debates sobre educação moral no mundo universitário e a sua teoria é presença constante em revistas de educação A sua investigação influenciou não apenas o mundo da educação, mas também da justiça. O reconhecimento de Kohlberg surgiu nos anos 80, embora os seus trabalhos fossem conhecidos e debatidos no mundo restrito dos académicos que se dedicavam ao estudo do desenvolvimento moral. De certa forma, o seu reconhecimento e popularidade constituiu uma resposta ao mal estar causado pela ineficácia do modelo curricular da clarificação de valores, tão em voga durante os anos 60 e 70. Por outro lado, a sua teoria abriu uma porta de esperança para os que vêem a sociedade norte-americana e as sociedades europeias ameaçadas pela corrupção, criminalidade e crescente egoísmo social. O interesse pela teoria de Kohlberg deve-se, também, à seriedade e à monumentalidade do trabalho de investigação conduzido por ele ao longo de três décadas, sem nunca se desviar do seu objectivo central: o estudo do desenvolvimento moral e de uma abordagem à educação moral preocupada com a questão da justiça. Nessa caminhada, Kohlberg soube, como poucos, associar os contributos da psicologia do desenvolvimento, em particular dos trabalhos de Piaget, da filosofia moral, nomeadamente o pensamento de Kant e da sociologia política, com particular destaque para o liberalismo social de John Rawls. Psicologicamente, Kohlberg afastou-se das influências psicanalítica e comportamentalista, representadas ao mais alto nível por Freud e Skinner, procurando as suas raízes na psicologia cognitivista de inspiração piagetiana. Filosoficamente, Kohlberg recusou a influência da filosofia analítica, procurando um retorno à filosofia crítica de inspiração kantiana. Sociologicamente, reagiu à influência do relativismo moral, procurando justificações para a defesa de uma ética universal, independente dos condicionalismos sociais e culturais. Kohlberg iniciou a sua investigação sobre desenvolvimento moral em crianças e adolescentes, com a apresentação da sua Tese de Doutoramento, na Universidade de Chicago, em 1958. Daí até à sua morte, em 1987, nunca mais abandonou o estudo do desenvolvimento e da educação moral. Lawrence Kohlberg e os seus colaboradores, ao longo de 30 anos, nunca deixaram de colocar novas hipóteses, reexaminaram dados anteriores, fizeram revisões dos estudos e responderam às inúmeras críticas vindas, sobretudo, de teorias não cognitivistas do desenvolvimento moral. A bibliografia de Kohlberg foi, durante muitos anos, disponível apenas em séries monográficas e artigos de revistas científicas. Nos anos 80, esses estudos foram reunidos em dois volumes com cerca de 500 páginas cada um, com os títulos de Essays on Moral Development I -The Psychology of Moral Development e Essays on Moral Development II - The Philosophy of Moral Development. Para além dos textos originais de Kohlberg, existe uma enorme quantidade de literatura sobre a teoria de Kohlberg, sobretudo apresentações, comentários, críticas e desenvolvimentos. As revistas The Journal of Moral Education e Moral Education Forum dedicam, há longos anos, números temáticos sobre os desenvolvimentos da teoria de Kohlberg, bem como sobre as aplicações curriculares da sua teoria. A literatura sobre educação moral tem apelidado a teoria de Kohlberg de cognitivo-desenvolvimentista, construtivista e interaccionista. Kohlberg e colaboradores têm afirmado, frequentemente, as influências de Sócrates, Platão, Kant, Rawls, Dewey e Piaget. Nos fundamentos filosóficos, a teoria de Kohlberg deve muito ao pensamento de Sócrates, Platão e Kant. Nos fundamentos psicológicos, a sua dívida é enorme para com Piaget. Nos fundamentos sociais, políticos e educacionais, a sua dívida é grande para com Dewey e Rawls.
O interaccionismo social da teoria da educação moral de Kohlberg e, em particular, a abordagem comunidade justa, é influenciada pela teoria educacional de John Dewey, nomeadamente o livro Educação e Democracia. Essa dívida foi publicamente explicitada por Kohlberg no artigo Development as the Aim of Education: The Dewey View, no qual descreve analisa três grandes teorias educacionais, o romantismo (Rousseau, Freud e Mill), a transmissão cultural (Durkheim) e o progressismo (Dewey). Kohlberg rejeita quer o individualismo romântico quer o colectivismo da transmissão cultural, propondo uma teoria que estabeleça uma síntese criativa entre o individual e o social na educação, baseada na noção de interacção e interdependência entre o organismo e o ambiente, entre a pessoa e o meio, entre o sujeito e o objecto, à boa maneira de Jean Piaget. Epistemologicamente, Kohlberg assume-se como um continuador de Piaget, rejeitando a noção de que o conhecimento seja o produto da cultura ou do inatismo. Ao invés, o conhecimento constrói-se a partir da interacção do sujeito com o objecto, do organismo com o meio, não fazendo sentido algum a separação de um do outro. Esta ligação íntima entre o individual e o social assume uma lugar central na moral de Kohlberg. A justiça surge como o expoente máximo dessa ligação, porque pressupõe que o indivíduo seja capaz de equilibrar os seus interesses e pontos de vista com o os interesses mais gerais da sociedade. A partir dos anos 70, com o início do seu envolvimento na criação de programas curriculares de educação moral, em cenários de escolas secundárias, Kohlberg passou a acentuar mais o carácter social da moralidade, aproximando-se de alguns aspectos da moralidade durkheimiana e dos programas educativos postos em prática em alguns kibbutz israelitas. Esse movimento levou Kohlberg a dar cada vez mais importância ao desenvolvimento de um estádio 4 da moralidade e ao papel da escola e do professor na promoção do desenvolvimento moral. O maior contributo de Kohlberg para o estudo do desenvolvimento moral foi, sem dúvida, a sua teorias dos estádios do desenvolvimento moral. A melhor forma de apresentar essa teoria é recorrendo a um quadro explicativo.
Estádio 1. Orientação pela obediência e punição. deferência egocêntrica face ao poder e à autoridade.
Estádio 2. Estádio da individualidade instrumental. Orientação egoísta. A acção correcta é aquela que satisfaz as necessidades do indivíduo e apenas ocasionalmente dos outros. Igualitarismo radical.
Estádio 3. Orientação bom rapaz, linda menina. Orientação para a aprovação e para agradar aos outros. Conformidade aos estereótipos sociais.
Estádio 4. Orientação para a manutenção da ordem e da autoridade. Respeito pela autoridade e pelas expectativas que a sociedade deposita em nós.
Estádio 5. Orientação contratual legalista. O dever é definido em termos de contrato. deferência para com o bem estar dos outros e pelo cumprimento dos contratos.
Estádio 6. Orientação pelos princípios éticos. A acção é conforme a princípios universais. Primado da consciência individual e pelo cumprimento do dever.
Os estádios 1 e 2 agrupam-se no nível pré-convencional.
Para o estádio 1, o certo é a obediência cega às regras e à autoridade, de forma a evitar a punição. O que está certo é evitar a violação das regras e evitar danos físicos aos outros e à propriedade. As razões para fazer o que está certo é evitar a punição e os castigos. A criança neste estádio assume um ponto de vista meramente egocêntrico. Não considera os interesses dos outros e não relaciona vários pontos de vista em simultâneo.
Para o estádio 2, o certo é a satisfação das nossas necessidades. O que está certo é seguir as regras quando elas nos servem. O certo é a satisfação dos nossos interesses e necessidades. O certo é deixar os outros fazerem o mesmo. Neste estádio, a criança reconhece que os outros também têm interesses. A criança, neste estádio, assume uma perspectiva concreta individualista. Separa os seus interesses dos interesses dos outros. Os conflitos de interesses resolvem-se dando a todos uma parte igual.
Os estádios 3 e 4 agrupam-se no nível convencional.
Para o estádio 3, o certo é ser simpático, leal e digno de confiança. O adolescente, neste estádio, preocupa-se com as necessidades dos outros e procura cumprir as regras e as normas. O que está certo é viver de acordo com aquilo que os outros esperam de nós e fazer aquilo que os outros esperam que nós façamos. O adolescente, neste estádio, mostra gratidão e apreço pelas autoridades e procura ser digno dessa confiança. O adolescente, neste estádio, respeita a regra de ouro, isto é, reconhece a importância da reciprocidade e trata bem os outros porque espera que os outros também o tratem bem. Este estádio tem em conta tanto a perspectiva do indivíduo como a perspectiva dos outros. Uma pessoa, neste estádio, sabe partilhar sentimentos e sabe relacionar diferentes pontos de vista em simultâneo. É capaz de "calçar os sapatos dos outros", isto é, sabe colocar-se no papel dos outros.
Para o estádio 4, o certo é cumprir o dever para com a sociedade, manter a ordem social e velar pelo bem estar de todos. As leis são para serem cumpridas e a sociedade espera que cada um dê o seu contributo para o bem estar geral. A razão para fazer o que está certo é ajudar a manter a ordem social e o bom funcionamento das instituições. Este estádio distingue os pontos de vista da sociedade dos pontos de vista dos grupos e dos indivíduos. Uma pessoa, neste estádio, assume o ponto de vista do sistema e considera as relações interpessoais em termos do seu lugar no sistema.
Os estádios 5 e 6 agrupam-se mo nível pós-convencional.
Para o estádio 5, a escolha moral é baseada nos direitos básicos, nos contratos legais e nos valores morais, mesmo quando há conflito com as leis ou as regras do grupo. O que está certo é ter consciência que as pessoas nem sempre partilham os mesmos valores e que, por vezes, as leis e as regras do grupo são injustas e não merecem, portanto, ser obedecidas. A razão para fazer o que está certo reside na necessidade de respeitar os contratos e os direitos dos outros. Neste estádio, a pessoa toma decisões ma base do maior bem para o maior número. Neste estádio, há verdades mais importantes que os interesses da sociedade. A pessoa, neste estádio, considera o ponto de vista legal e o ponto de vista dos outros e procura reconhecer o conflito entre eles, de forma a fazer escolhas que tragam o maior bem para o maior número.
Para o estádio 6, o certo é o que obedece aos princípios éticos universais. As leis ou os contratos e acordos sociais são válidos sempre que respeitam esses princípios. Quando a lei viola os princípios éticos, a pessoa deve agir de acordo com os princípios éticos, ainda que tenha de violar as leis. Os princípios éticos relacionam-se coma noção de justiça, dignidade humana, direitos humanos e igualdade de direitos. A razão para fazer o que está certo é que a pessoa reconhece a validade dos princípios e procura cumpri-los. Este estádio reconhece que os princípios de justiça não são apenas produtos da sociedade para resolver eficazmente os conflitos, mas sobretudo o reflexo de uma ordem natural que reside tanto na natureza humana como na ordem cósmica. Estes princípios são eternos e universais, no sentido de que são um produto do desenvolvimento da natureza humana. Estão, por isso, presentes em todas as sociedades e em todas as culturas. A interacção do sujeito com o meio pode ser necessária para revelar o princípio da justiça, mas não é essa interacção que cria o princípio. O princípio ético é prévio à sociedade. É uma categoria a priori no sentido kantiano.
A teoria de Kohlberg é um dos exemplos mais significativos de uma teoria moral centrada na defesa dos princípios éticos e preocupada com o desenvolvimento do raciocínio moral, em vez da mera defesa das convenções sociais, regras de conduta e leis. O que é que Kohlberg entende por princípio ético? Antes de mais, é um procedimento ou um conjunto de orientações para habilitar a pessoa ao confronto de escolhas morais alternativas. Constitui uma forma universal de tomada de decisões morais, com base na lógica formal e na razão. O princípio ético constitui uma padrão universal que orienta a reflexão sobre questões morais. Por outro lado, o princípio ético refere-se a uma forma mais avançada e mais madura de encarar o conceito de justiça, o qual, no entender de Kohlberg, define o ponto de vista moral. De uma certa forma, o princípio ético significa duas coisas: um procedimento racional para orientar a reflexão sobre questões morais e um conteúdo identificável com o conceito de justiça. O que é que Kohlberg entende por justiça? A justiça é o mesmo que igualdade e universalidade dos direitos humanos. A justiça é tratar, com igualdade, todas as pessoas, independentemente da sua posição social. É tratar cada pessoa como um fim e não como um meio. Assemelha-se ao imperativo categórico de Kant. É o mesmo que o respeito pela dignidade humana e pressupõe o respeito pela reciprocidade. A justiça pressupõe a preocupação pelo bem estar dos outros. De uma certa forma é o mesmo que o maior bem para o maior número. Kohlberg rejeita quer a ideia de que a moralidade é a expressão das normas do grupo quer a ideia de que a moralidade é uma questão de gosto e de preferência individual. Os princípios éticos não derivam da sociedade ou da cultura. Eles são autónomos, fazem parte da natureza humana e estão inscritos na ordem cósmica.
Qual é o papel da cognição na teoria de Kohlberg? Conhecida como teoria cognitivo-desenvolvimentista, a teoria de Kohlberg concede um lugar central à cognição no processo de desenvolvimento moral. Alguns críticos acusam-no de conceder uma demasiada importância à cognição, desvalorizando o papel das emoções, dos sentimentos e dos hábitos. O processo de raciocínio moral tem várias características: "é interactivo, isto é, o pensamento moral significa a aplicação dos processos e das operações lógicas por um indivíduo a certos problemas, experiências e situações que existem no mundo. O pensamento moral significa aplicar certos princípios e práticas a estruturas concretas e a dilemas. Estes procedimentos estão intimamente ligados ao conceito de justiça e pensar moral significa considerar as potenciais escolhas que maximizarão a preocupação pelos outros. Este procedimento deverá ser imparcial e não poderá ser afectado pelos preconceitos pessoais ou pressões de grupo" (Chazan, 1985, 78). Kohlberg defende que o desenvolvimento moral deve ser visto em termos de desenvolvimento de ceras formas ou estruturas de pensamento e não em termos de transmissão de conteúdos morais ou de formas de conduta. O hábito não tem, na sua teoria, qualquer papel especial. O conteúdo moral e a acção têm pouco a ver com o estádio do desenvolvimento moral. A complexidade do raciocínio e o nível da justificação para as escolhas morais são as componentes mais importantes no processo de atribuição de um estádio do desenvolvimento moral a uma pessoa. Kohlberg sempre criticou os modelos curriculares preocupados com a transmissão das virtudes morais, apelidando-os de "caixinha das virtudes". Em vez da ênfase nos conteúdos e nos comportamentos, a teoria de Kohlberg centra-se na forma, na estrutura e no processo de pensamento, o qual é tanto mais adequadamente moral quanto mais imparcial e universal forem os juízos produzidos. A teoria de Kohlberg afasta-se da noção aristotélica da virtude. Para Kohlberg, ao contrário de Aristóteles, não é possível separar a dimensão intelectual da dimensão comportamental. Kohlberg insere-se na tradição socrática e platónica que assume que "aquele que conhece o bem, praticará o bem " e que a imoralidade é uma questão de ignorância. A crença de que a pessoa tende a agir de acordo com os seus juízos morais é central na teoria da educação de Kohlberg e é essa correspondência que o obriga a desvalorizar uma educação preocupada com o desenvolvimento do carácter e com os comportamentos e acções morais. Todas as intervenções de Kohlberg e dos seus colaboradores, relacionadas com a criação de programas educativos em escolas secundárias, nomeadamente os programas "schools within a school" e "cluster school", no final dos anos 70, recusam a utilização de metodologias de ensino directo e fazem apelo à participação dos alunos na tomada de decisões, à discussão de dilemas morais, reais e hipotéticos e ao envolvimento dos alunos em comissões de justiça e no governo da escola. A dificuldade em dar continuidade a estes programas e sobretudo a impossibilidade prática da sua generalização e os fraco impacto nos comportamentos e nas acções dos alunos motivaram inúmeras críticas, ao longo da década de 80. Os programas "comunidades justas" foram criticados, sobretudo, pela pouca ou nenhuma atenção concedida à esfera dos comportamentos e das acções. Mais inteligência e mais reflexão nem sempre andam associados a mais benevolência, mais respeito e mais responsabilidade. A primeira reacção de Kohlberg a essas críticas foi reafirmar a crença na posição socrática e platónica, acentuando o cariz formalista da sua filosofia. No final dos anos 70, Kohlberg começa a admitir a necessidade de um certo equilíbrio entre a forma e o conteúdo e os valores e o raciocínio. reconhecendo uma certa desvalorização dos comportamentos e das acções, Kohlberg, nos seus últimos escritos, começou a dar mais importância ao desenvolvimento de comportamentos específicos considerados mais desejáveis em função de uma moralidade orientada para a justiça. Esta mudança foi delineada em duas direcções: primeiro, mais ênfase ao clima moral da escola e, segundo, utilização de acontecimentos reais como pretexto para a reflexão e a discussão de dilemas.
O que é uma pessoa moralmente educada, na perspectiva de Kohlberg? É uma pessoa capaz de fazer uso da reflexão quando perante um problema moral e que consegue chegar a uma solução em termos da consonância com o princípio da justiça, de forma a deliberar em consistência com o princípio do maior bem para o maior número. Exemplos de pessoas moralmente educadas: Jesus Cristo, Sócrates, Janus Korczak e Martin Luther King.
Qual é a posição de Kohlberg face ao doutrinamento moral? A teoria de Kohlberg não reconhece validade a um processo educativo que recorra a técnicas doutrinantes. O doutrinamento é, para Kohlberg, típico de uma educação que fixa os alunos no nível pré-convencional do desenvolvimento moral. As técnicas doutrinantes convidam à heteronomia moral e, portanto, não podem ter lugar nos modelos curriculares cognitivo-desenvolvimentistas. Mas Kohlberg afasta-se, também, das técnicas que acentuam a defesa do relativismo moral. Embora seja de louvar a educação para a defesa do pluralismo cultural, Kohlberg discorda que se conceda igual legitimidade a todas as perspectivas morais ou que se faça depender o processo de deliberação moral de dados contextuais. Uma educação que recuse a existência de hierarquias de valores e de princípios éticos universais coloca o aluno desarmado face à influência das opiniões públicas, dos poderosos e das autoridades. A ausência de referenciais éticos abre caminho a toda a espécie de injustiças e, portanto, é incompatível com uma educação moral orientada para a justiça.
Qual é o papel do professor na teoria de Kohlberg? O papel essencial é servir como facilitador do aluno no processo de desenvolvimento do raciocínio moral. O professor é um recurso do aluno e deve assumir-se como um facilitador no processo de reflexão, de elaboração de juízos e de deliberação. O professor assume uma posição semi-directiva, recusando quer o "laissez faire" quer o directivismo. À semelhança de Sócrates, nos diálogos de Platão, o professor deve ajudar o aluno a colocar questões, a reformular as perguntas, a definir os conceitos e a distinguir as várias posições e pontos de vista. O professor deve ajudar os alunos a identificar um tema, um problema ou um dilema moral. A sua tarefa é manter viva a discussão em torno do problema, permitir que todos os alunos participem na discussão e ajudar a evitar o uso de conceitos errados. De seguida, o professor deve ajudar os alunos a reflectirem sobre formas alternativas de reflexão sobre questões morais. Com esta função, o professor ajuda os alunos a relacionarem o raciocínio com os juízos morais. Por último, o professor deve ajudar os alunos a reflectirem criticamente sobre a adequação dos processos de raciocínio empregues, sobre a sua coerência interna e sobre a sua lógica. É crucial que o professor seja capaz de formular juízos de valor um estádio acima dos juízos emitidos pelos alunos. Desta forma, Kohlberg acredita que os alunos terão a tendência para avançarem do estádio em que se encontram para o estádio imediatamente superior. No contexto dos programas educativos de tipo comunidade justa, o professor desempenha, ainda, a função de dinamizador da participação dos alunos nos processos deliberativos de tomada de decisões sobre assuntos escolares. O professor deve incentivar os alunos a participarem nos órgãos de gestão da escola, em particular, nos conselhos de turma, nos conselhos pedagógicos e nos conselhos directivos. Nos casos em que há comissões de justiça, os alunos são convidados a fazerem-se eleger para esse órgão e, dessa forma, poderem deliberar sobre casos concretos relacionados com a violação das normas escolares e casos de indisciplina. Até meados dos anos 70, Kohlberg privilegiava o papel do professor na promoção da discussão de dilemas morais hipotéticos. Acusado por muitos de propor um modelo curricular pouco eficaz, Kohlberg começou a dar maior importância à dimensão social da moralidade, aproximando-se em muitos aspectos do pensamento educacional de John Dewey e da teoria moral de Durkheim. Essa alteração coincide com a criação dos programas educativos do tipo comunidade justa. A partir daí, Kohlberg começa a valorizar o uso de dilemas morais reais, a partir de situações concretas do dia-a-dia escolar e a acentuar a importância do clima moral da escola na promoção do desenvolvimento moral. Nos seus últimos escritos, Kohlberg acaba por reconhecer a importância da personalidade e do exemplo do professor no processo de desenvolvimento moral dos alunos, aproximando-se, assim, do ponto de vista aristotélico sobre a moralidade, sem nunca abandonar, contudo, o formalismo e o estruturalismo da sua abordagem.
É possível concluir que a teoria de Kohlberg encerra um modelo pedagógico? Embora durante a primeira fase da sua investigação, Kohlberg não estivesse directamente interessado em aplicar a sua teoria em cenários educacionais, a partir de meados dos anos 70 essa começou a ser a sua preocupação central. Podemos, por isso, responder pela afirmativa. Foi a tese de doutoramento de um seu aluno, Moshe Blatt, que levou Kohlberg a interessar-se seriamente pela criação de programas de educação moral inspirados na sua teoria. A investigação de Moshe Blatt tentara avaliar em que medida é que a discussão de dilemas morais, em salas de aula, contribui para o desenvolvimento moral dos alunos. As conclusões a que chegou foram apelidadas de efeito Blatt e podem resumir-se no seguinte: entre um quarto e metade dos alunos que participaram na experiência avançaram pelos menos um estádio. A experiência conduzida por Moshe Blatt incluiu três componentes: apresentação de dilemas morais controversos em áreas que geravam desacordo e conflito cognitivo entre os alunos; turmas moderadamente heterogéneas, com alunos em diferentes estádios de desenvolvimento moral; utilização do interrogatório socrático. Com efeito, estas três componentes estão presentes no modelo pedagógico de inspiração kohlbergiana. Durante os primeiros anos, Kohlberg utilizava um conjunto de dilemas hipotéticos. Nos últimos anos da sua vida, Kohlberg introduz mudanças significativas no modelo pedagógico: ênfase na participação dos alunos na tomada de decisões escolares; uso de dilemas reais originados a partir de situações da sala de aula ou da comunidade local; reconhecimento da influência da personalidade e do exemplo do professor. Esse reconhecimento conduziu Kohlberg a acentuar a necessidade de preparar eficazmente os professores, de forma a torná-los competentes na aplicação da sua teoria.

Crítica
São quatro as principais críticas à teoria de Kohlberg: dúvidas sobre a universalidade dos estádios; acusação de elitismo; ignorância da especificidade do desenvolvimento moral das mulheres; desvalorização do papel da emoção e do hábito no processo de desenvolvimento moral.
De todas as críticas, a terceira é a que parece ter maior consistência, graças aos estudos conduzidos por Carol Gilligan, a qual conheceu grande notoriedade após a publicação do livro In A Different Voice: Psychological Theory and Women`s Development, em 1982. Carol Gilligan critica o facto da teoria de Kohlberg ter sido desenvolvida a partir de um estudo conduzido com uma amostra de rapazes. Com efeito, a Tese de Doutoramento de Kohlberg baseou-se numa amostra de adolescentes do sexo masculino, prestando-se a que o estudo fosse acusado de esquecer a especificidade do desenvolvimento moral das raparigas. Carol Gilligan afirma que o nível pós-convencional de Kohlberg esquece a forma como as mulheres raciocinam sobre questões morais, quando estão em causa conflitos entre as regras sociais e os princípios éticos. Para Carol Gilligan, para além da moralidade preocupada com a justiça, os direitos e os deveres, existe uma moralidade relacionada com o cuidar dos outros, a qual privilegia a manutenção das relações interpessoais, a ligação afectiva entre as pessoas, o afecto e os sentimentos. O nível pós-convencional, capaz de integrar o desenvolvimento das mulheres, inclui a dependência mútua, o dar-se aos outros e o receber dos outros, numa posição de equilíbrio que deixa espaço para a realização pessoal e para a continuidade das relações. Mas Gilligan vai mais longe. Considera que o desenvolvimento moral dos indivíduos deve ir além do reconhecimento das diferenças de género e precisa de incorporar quer o conceito de justiça quer o conceito do cuidar dos outros, tanto nos homens como nas mulheres, de forma que a maturidade moral seja o resultado da evolução conjunta do que é mais típico no desenvolvimento dos homens e no desenvolvimento das mulheres. A importância do trabalho de Carol Gilligan reside no facto de ter chamado a atenção para a existência de duas vozes morais, duas linguagens, duas formas de raciocinar ao nível pós-convencional, as quais devem ser incorporadoas no discurso pedagógico e nos programas educativos de educação moral.
O facto de Kohlberg defender que há juízos morais mais adequados que outros, tem sido alvo de críticas por parte dos apologistas do relativismo moral. Segundo estes, o ponto de vista de Kohlberg padece de elitismo, porque divide os seres humanos em dois grupos: os mais morais e os menos morais. Criticam, sobretudo, o dualismo de Kohlberg, nomeadamente o facto dele fazer depender o desenvolvimento moral da reflexão, da sabedoria e da educação. De uma certa forma, estas críticas foram feitas a Sócrates e a Platão, há quase vinte e cinco séculos.
A tese da universalidade dos estádios tem sofrido inúmeras críticas e refutações sobretudo por parte dos autores de influência comportamentalista e de antropólogos. À semelhança das críticas que têm sido feitas à teoria dos estádios do desenvolvimento intelectual de Jean Piaget, existe uma grande controvérsia em torno da invariância dos estádios e, sobretudo, em torno da universalidade do estádio 6. Alguns autores afirmam que a sequência de estádios apresentada por Kohlberg é típica das sociedades de capitalismo liberal, não tendo aplicabilidade quer nas sociedades agrárias quer nas sociedades onde imperam as oligarquias. Por último, há autores que criticam o facto das emoções e do hábito não jogarem qualquer papel importante na teoria de Kohlberg. Esta crítica remonta ao confronto intelectual entre neoplatónicos e aristotélicos. O que separa, a este nível, Kohlberg dos seus críticos foi o que dividiu Platão e Aristóteles. Estas críticas têm surgido de autores importantes na área da educação moral, nomeadamente Damon (1985), Hoffman (1993), Johnston (1988), Lickona (1991), Noddings (1992) e Perry (1996). Thomas Lickona (1991) tem procurado, através do Center for the 4th and 5 th Rs, ir além da teoria de Kohlberg, no que diz respeito à educação moral das crianças, incorporando o domínio da acção moral e centrando a educação moral no ensino do respeito e da responsabilidade. O modelo curricular criado por Thomas Lickona encara o professor como um modelo, um mentor e um prestador de cuidados às crianças. Na sua perspectiva, o professor não deve limitar-se a suscitar a reflexão dos alunos sobre dilemas morais, embora essa estratégia seja muito importante. Deve tratar os alunos com respeito e carinho, incentivando-os a respeitar os outros e a corrigir os seus comportamentos incorrectos. Thomas Lickona, à semelhança de Kohlberg nos seus últimos escritos, concede um papel central à atmosfera da escola. Uma atmosfera democrática, ordeira e respeitosa constitui uma das principais variáveis na educação moral. O professor pode ajudar a criar essa atmosfera através do cumprimento de rituais escolares, da participação dos alunos na tomada de decisões e do reforço dos comportamentos aceitáveis. Uma outra componente no modelo de Thomas Lickona é a utilização do curriculum para a transmissão de valores. No seu entender, todas as disciplinas são boas para ensinar valores. Cabe ao professor conduzir os alunos a reflectirem sobre os fenómenos, os factos e os conceitos de forma a confrontarem pontos de vista, situações e problemas com implicações morais. A leitura e a discussão de obras filosóficas e literárias com fundo moral constitui outra estratégia importante. Na sala de aula, o uso do ensino cooperativo, colocando os alunos mais adiantados a ajudar os outros em tarefas de aprendizagem, constitui uma estratégia fundamental para o ensino da responsabilidade. Tanto Thomas Lickona como Constance Perry partem da distinção entre reflexão moral, emoção moral e conduta moral para chegarem à conclusão de que qualquer programa de educação moral deve integrar o raciocínio, a empatia, os sentimentos e os hábitos, porque o desenvolvimento moral é o produto de todas aquelas componentes. William Damon (1993), um autor cognitivista bastante influenciado pela teoria de Kohlberg, considera que a cabeça, o coração e o hábito, isto é, a reflexão, os sentimentos e a conduta, devem ser examinados em conjunto, porque eles surgem associados no processo de realização de escolhas morais. Uma criança moralmente educada é aquela que é capaz de reflectir perante problemas morais, mostrar preocupação pelos outros e agir de forma apropriada e consistente. Hoffman (1993) chamou a atenção para a necessidade de incorporar a motivação e a empatia no processo de deliberação moral. No seu entender, um acto moral depende do desejo de fazer alguma coisa em benefício de uma pessoa ou de um grupo e de agir de acordo com uma norma ou um princípio. Embora a reflexão possa estar presente, e geralmente está, acontece muitas vezes ser a motivação, a empatia e o hábito os factores determinantes no processo de deliberação moral, quando estão em questão situações dilemáticas reais. Para além disso, Hoffman (1993) acredita ter demonstrado que as crianças são capazes de compreender a perspectiva dos outros bem antes da idade em que Piaget e Kohlberg pensavam ser possível. A explicação para isso reside no facto dos sentimentos altruístas serem naturais em muitas crianças. Por outro lado, um ambiente familiar marcado pela empatia, carinho e amor pode preparar mais cedo a estrutura motivacional da criança para a compreensão dos pontos de vista e interesses dos outros. Um ambiente familiar que exponha a criança a modelos altruístas e que lhe proporcione experiências sobre os sentimentos e necessidades dos outros ajuda a aumentar a consciência da criança e a sua compreensão pelos outros. Algumas destas críticas, em particular as de Carol Gilligan, William Damon e Constance Perry podem ser consideradas mais como desenvolvimentos da teoria de Kohlberg do que como oposição a ela. Nestes casos, estamos perante autores que seguem o mesmo paradigma cognitivo-desenvolvimentista, mas que quiseram ir além dos limites traçados pela investigação de Lawrence Kohlberg. Sem negarmos alguma pertinência a estas críticas e desenvolvimentos, parece-nos que o lugar de Kohlberg no campo do desenvolvimento moral continuará a ser cimeiro por muitos anos, já que o carácter inovador do seu trabalho o consagrou como um clássico de referência obrigatória em todos os manuais de psicologia do desenvolvimento. Mesmo as críticas e refutações que têm sido feitas à universalidade e à sequência invariante dos estádios do desenvolvimento moral carecem de prova e pecam, em muitos casos, por falta de consistência.

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