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segunda-feira, 22 de março de 2010

Modernidade Reflexiva: Anthony Guiddens

  • Introdução

O presente trabalho versa no seu todo a questão da Modernidade Reflexiva na acepção de Anthony Giddens. O primeiro capítulo inicia com uma abordagem a respeito do conceito de modernidade dada por Giddens, inclui-se neste capítulo o conceito de reflexividade. A seguir abordar-se-á a questão da Modernidade Reflexiva no seu todo de acordo com vários pontos de vista de Giddens.

Para Giddens, a modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Ele observa que vivemos uma época marcada pela desorientação, pela sensação de que não compreendemos plenamente os eventos sociais e que perdemos o controle. A modernidade transformou as relações sociais e também a percepção dos indivíduos e colectividades sobre a segurança e a confiança, bem como sobre os perigos e riscos do viver:

A  época em que vivemos, chamada por alguns de pós-modernidade, é apontada pela maioria dos autores contemporâneos, como a época das incertezas, das fragmentações, das desconstruções, da troca de valores, do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, do consumo de sensações, etc... Enfim, uma época de transição, de transformação, onde o projecto da modernidade parece ter se cumprido em excesso ou ser insuficiente para solucionar os problemas que assolam a humanidade. Segundo Boa Ventura de Souza Santos, em seu livro Pela Mão de Alice (1995), vivemos uma condição de perplexidade diante de inúmeros dilemas nos mais diversos campos do saber e do viver. Que, além de serem fonte de angústia e desconforto, são também desafios à imaginação, à criatividade e ao pensamento.

Portanto, espera-se que este trabalho não constitua o fim da pesquisa em torno do tema, mas que deixe caminho aberto para se chegar a ela.

 I. A modernidade

1. Conceito

Iniciamos com a definição simples de Anthony Giddens da modernidade: “modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII, e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (GIDDENS, 1991: 11).

 1.1. A reflexividade

Segundo Giddens, a reflexividade consiste em as sociedades modernas chegarem a um ponto em que são obrigadas a reflectir[1] sobre si mesmas e que, ao mesmo tempo, desenvolvem a capacidade de reflectir retrospectivamente sobre si mesmas.

“A reflexividade social diz respeito a uma sociedade em que as condições em que vivemos são cada vez mais o resultado de nossas próprias acções, e, inversamente, nossas acções vivem cada vez mais a administrar ou enfrentar os riscos e oportunidades que nós mesmos criamos” (GIDDENS, 1997: 20).

A reflexividade constitui a terceira fonte de dinamismo da modernidade. A reflexividade da modernidade significa que as práticas sociais modernas são enfocadas, organizadas e transformadas, à luz do conhecimento constantemente renovado sobre estas próprias práticas. Nas condições da modernidade reflexiva o conhecer não significa estar certo, ou seja, o conhecimento está sempre sob dúvida e incide sobre as práticas sociais e estas sobre o mesmo. E isto se aplica tanto às ciências sociais quanto às naturais.

Por outro lado, a característica reflexiva da sociedade moderna indica a possibilidade de uma contínua geração de auto conhecimento sistemático, o qual, em geral, desestabiliza a relação entre conhecimento leigo e saber especializado (sistemas peritos).

A modernidade reflexiva rompe com o “ideal iluminista”[2] de um saber fundado na razão e capaz de superar a superstição e os “dogmas da tradição”[3], gerando uma nova certeza – a segurança ontológica – que supere o carácter arbitrário do hábito e do costume.

A modernidade moldou o mundo natural e social à imagem humana, mas produziu um mundo fora de controle, muito diferente daquele que o iluminismo antecipou. Isto nos impõe algumas questões: Por que a razão não controla o carro? Seria defeito do projecto ou falhas do operador? Segundo o autor, “nem os defeitos do projecto nem a falha do operador são os elementos mais importantes a produzir o carácter errático da modernidade. As duas influências mais significativas são (...): as consequências involuntárias e a reflexividade ou circularidade do conhecimento social”. ((GIDDENS, 1997: 152).

  2.Modernidade Reflexiva

Ulrich Beck e Anthony Giddens (1997), partilham da opinião de que as sociedades modernas, chegaram a um estado de alta ou radicalizada modernidade, na qual a característica dominante é um elevado grau de reflexividade. Isto é, as sociedades modernas chegaram a um ponto em que são obrigadas a reflectir sobre si mesmas e que, ao mesmo tempo, desenvolveram a capacidade de reflectir retrospectivamente sobre si mesmas. Os antigos modelos de desenvolvimento das sociedades modernas criam agora problemas e dilemas tão fundamentais que questionam qualquer movimento de acordo com esses princípios. É a chamada modernização reflexiva, determinada por grandes mudanças sociais. São essas mudanças que irão desnudar o nível de insegurança, de perigo, enfim, a sociedade de risco (BECK, 1997: 15), que é uma fase do desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, económicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a protecção da sociedade industrial. O resultado mais radical ocorre quando as instituições da sociedade industrial tornam-se produtoras e legitimadoras das ameaças que não podem controlar, onde fenómenos como o impacto da globalização, as mudanças na vida quotidiana e pessoal e o surgimento da sociedade pós-tradicional escapam do escopo da modernidade ocidental e alcançam o mundo todo, e a um só tempo.

As tendências de mudança em nosso mundo, onde tudo é novo e confuso, não pode ser razão para renunciarmos a nossa capacidade de entender e encontrar sentido, para buscar entender seu inter-relacionamento. Penso que é possível observar, analisar e teorizar e, assim, ajudar a construir um mundo diferente e melhor, mesmo não dando respostas, mas questionando, buscando e se angustiando estaremos fazendo algo.

A modernização reflexiva vislumbra a possibilidade do entendimento e da necessidade de se produzir interpretações que acompanhem as descontinuidades da modernidade produzidas pela grande rapidez e ritmo de mudança da vida moderna.

Poucas pessoas no mundo, podem continuar sem consciência do facto de que suas actividades locais são influenciadas, e às vezes até determinadas por acontecimentos ou organismos distantes [...] As acções quotidianas de um indivíduo produzem consequências globais [....] Esta extraordinária – e acelerada – relação entre as decisões do dia-a-dia e os resultados globais, juntamente com o seu reverso, a influência das ordens globais sobre a vida individual, compõem o principal tema da nova agenda. As conexões envolvidas são frequentemente muito próximas. Colectividades e agrupamentos intermediários de todos os tipos, incluindo o estado, não desaparecem em consequência disso, mas realmente tendem a ser reorganizados ou reformulados. (GIDDENS, 1997: 75)

 2.1. Modernidade e a organização social

 A pós-modernidade descrita por muitos para caracterizar uma nova era, sugerindo o encerramento da modernidade, é questionada por Giddens: “Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes ... Não vivemos ainda um universo social pós-moderno, mas podemos ver mais do que uns poucos relances de emergência de novos modos de vida e organização social...” (GIDDENS, 1997: 13, 58 ).

Para Giddens, não se pode obter um conhecimento sistemático sobre a organização social é resultado de estarmos sendo apanhados por eventos que não compreendemos plenamente, e que parecem estar fora de nosso controle. E isto não é o suficiente para inventarmos novos termos e sim olhar para a natureza da própria modernidade e analisar como isto veio a ocorrer.

Em As Consequências da Modernidade, Anthony Giddens desenvolve uma interpretação “descontinuísta” do desenvolvimento social moderno. Para ele é preciso capturar a natureza dessas descontinuidades para poder analisar o que é realmente a modernidade e diagnosticar suas consequências para nós no presente. Para identificação dessas descontinuidades que separam as instituições sociais modernas das ordens sociais tradicionais, devemos observar algumas características: o ritmo da mudança – as mudanças em todas as esferas, em condições de  modernidade, acontecem numa velocidade extrema; o escopo da mudança – as inter conexões de diferentes áreas, geram ondas de transformação social que penetram o mundo todo; e a natureza intrínseca das instituições modernas - a modernização não transcorre de maneira única e uniforme pelas diversas regiões do globo. Para Giddens, na sua obra “A Modernização Reflexiva”, a globalização não é uma mera continuação da expansão do capitalismo e do Ocidente. Ela se investe de uma qualidade diferente, já que sua instantaneidade, interrelaciona o global e o local e não tende a uma única direcção, produzindo, também, novas formas de estratificação social, mas com consequências opostas em diferentes localidades. Por outro lado, Giddens não percebe uma homogeneização cultural como consequência da globalização, mas ao contrário, ele considera que nesse nível são produzidas as diásporas culturais.

O que se  destaca em Giddens é que ele procura desenvolver uma análise institucional da ambiguidade da vida moderna, centralizando a discussão nos temas de segurança versus perigo e confiança versus risco, que caracterizariam essa fase da modernização reflexiva. Observa-se que, através do desenvolvimento a longo prazo do sistema industrial, criou-se um mundo onde predomina a incerteza artificial, a modernização reflexiva, que se contrapõe à “modernização simples” (GIDDENS, 1997: 17), cuja dominação impediu a revelação das incertezas, produzindo-se a imagem do progresso capitalista ou industrial como totalmente previsível, tanto nas teses conservadoras como nas revolucionárias.

 2.2. Tradição e modernidade

 “A tradição é a cola que une as ordens sociais pré-modernas”, afirma Giddens. A tradição envolve, de alguma forma, controle do tempo. “Em outras palavras, a tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência para o presente”. (GIDDENS, 1997: 80).

A Tradição integra e monitora a acção à organização tempo-espacial da comunidade. Ela está vinculada à compreensão do mundo fundada na superstição, religião e nos costumes; ela pressupõe uma atitude de resignação diante do destino, o qual, em última instância, não depende da intervenção humana, do fazer a história. Dessa forma, conhecer é ter habilidade para produzir algo e está ligado à técnica e à reprodução das condições do viver. A ordem social sedimentada na tradição expressa a valorização da cultura oral, do passado e dos símbolos enquanto factores que perpetuam a experiência das gerações.

Por outro lado, a tradição também se vincula ao futuro. Mas este não é concebido como algo distante e separado, mas como uma espécie de linha contínua que envolve o passado e o presente. É a tradição que persiste, remodelada e inventada de novo  a cada geração. Não há um corte profundo, ruptura ou descontinuidade absolutas entre o ontem, hoje e o amanhã.

A tradição envolve o ritual; este constitui um meio prático de preservação. Nas sociedades que integram a tradição, os rituais são mecanismos de preservar a memória colectiva e as verdades inerentes ao tradicional. O ritual reforça a experiência quotidiana e refaz a elo que une a comunidade, mas ele tem uma esfera e linguagem próprias e uma verdade em si, isto é, uma “verdade formular” que não depende das “propriedades referenciais da linguagem”. Pelo contrário, “a linguagem ritual é performativa, e às vezes pode conter palavras ou práticas que os falantes ou os ouvintes mal conseguem compreender. (...) A fala ritual é aquela da qual não faz sentido discordar nem contradizer – e por isso contém um meio poderoso de redução da possibilidade de dissenção”. (GIDDENS, 1997: 83)

 “A tradição é impensável sem guardiães, porque estes têm um acesso privilegiado à verdade; a verdade não pode ser demonstrada, salvo na medida em que se manifesta nas interpretações e práticas dos guardiães. O sacerdote, ou xamã, pode reivindicar ser não mais que o porta-voz dos deuses, mas suas acções de facto definem o que as tradições realmente são. As tradições seculares consideram seus guardiães como aquelas pessoas relacionadas ao sagrado; os líderes políticos falam a linguagem da tradição quando reivindicam o mesmo tipo de acesso à verdade formular”. (GIDDENS, 1997: 100)

 2.2.1. Continuidade e descontinuidade

Nas condições da modernidade, o ritual é reinventado e reformulado. O mesmo ocorre com o guardião, substituído pelo especialista, o perito. A modernidade reincorpora a tradição, reinventa-a, e, neste sentido, também expressa continuidade. Grande parte dos valores relacionados à tradição permanecem e se reproduzem no âmbito da comunidade local. Na verdade, as primeiras instituições da modernidade não podiam desconsiderar a tradição preexistente e, vários aspectos, dependiam delas.

Porém, a modernidade teve que “inventar” tradições e romper com a “tradição genuína”, isto é, aqueles valores radicalmente vinculados ao passado pré-moderno. A modernidade, neste sentido, expressa descontinuidade, a ruptura entre o que se apresenta como o “novo” e o que persiste como herança do “velho”.

 2..2.2. Como se expressa a Modernidade

2.2.3. A modernidade expressa-se em׃

a) Ruptura com a ideia de comunidade;

b) Ruptura com a ideia e a prática teológico-política do poder político encarnado na pessoa do dirigente e passagem à ideia da dominação impessoal ou da dominação racional, isto é, nascimento da ideia moderna de Estado.

 “A modernidade, pode-se dizer, rompe o referencial protector da pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e impessoais. O indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança oferecidos em ambientes mais tradicionais”. (GIDDENS, 2002: 38)

Para Giddens, não basta inventar novas palavras para explicar este redemoinho, mas sim olhar com atenção a própria modernidade e analisar as suas consequências. Eis a sua tese:

“Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes. Além da modernidade, devo argumentar, podermos perceber os contornos de uma ordem nova e diferente, que é “pós-moderna”; mas isto é bem diferente do que é actualmente chamado por muitos de “pós-modernidade”. (1991: 12-13)

          Conclusão

A análise de Anthony Giddens sobre a modernidade oferece-nos a possibilidade de compreender o mundo em que vivemos, nossas inseguranças, incertezas e, inclusive, as transformações nos espaços da intimidade.

Ao longo do trabalho nota-se que Giddens procura esclarecer que a tradição e a religião são dois pontos que se incluem no âmbito da confiança da modernidade.
Já a tradição se apoia no conceito de temporalidade da repetição desenvolvido por Giddens. A repetição de um acto traz uma sensação reconfortante para quem o pratica e é realizado por ter um significado: ou por respeito à tradição ou por ter conexão com o ritual. Tem também um aspecto de segurança por estar intimamente ligado a confiança na continuidade do passado, presente e futuro.

 Se por um lado a tradição e a religião podem ter um aspecto aconchegante para a sociedade moderna, a violência humana ligada à industrialização da guerra tem um lado ameaçador. É aí que se encaixa o conceito de risco - risco de morte, destruição e perda. 

 Outra característica fundamental da modernidade desenvolvida no livro é a divisão de tempo e espaço. O advento do relógio, no final do século XVIII, proporcionou uma separação entre tempo e espaço de acordo com as zonas. Até hoje, o mundo todo segue o mesmo sistema de datação, o tempo e o lugar já não são mais variáveis e imprecisos como na era pré-moderna. Sendo assim, a medição do tempo e a divisão do espaço através dos mapas  trazem, cada vez mais, a separação entre os dois conceitos, o que é crucial para o dinamismo da modernidade.

Contudo, sua obra e opções políticas, em especial suas análises geram resistências e determinados leitores não conseguem romper o olhar preconceituoso. Giddens é um daqueles autores que merecem ser lidos e estudados – nem que seja apenas para aprimorar os nossos argumentos críticos. Para divergir é preciso, primeiro, compreender.

  Bibliografia

 1.      ANTUNES, Alberto et al. Dicionário breve de Filosofia. 5ª Edição. Lisboa, Editora Presença, 1995.

    1. BECK, Ulrich, GIDDENS, Anthony e LASH, Scott., Modernidade reflexiva: trabalho e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp. 1997
    2. BECK, Ulrich. O regime de Risco: A sociedade de Risco, Edições 70,  Lisboa, 2000.
    3. GIDDENS, A. As Consequências da Modernidade. Editora da Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 1991.
    4. GIDDENS, A. & LASH, S. Modernização Reflexiva. Editora da Universidade Estadual Paulista, São Paulo:, 1997.
    5. GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,2002

 

 



[1] Suspensão crítica do juízo com o objectivo de analisar melhor e melhor compreender os dados de um problema e os aspectos de uma situação, e avaliar as consequências de uma certa maneira de proceder e agir  (ANTUNES, 155)

. [2] Os pensadores iluministas “acreditavam, com bastante propriedade, que quanto mais viéssemos a conhecer sobre o mundo, enquanto colectividade humana, mais poderíamos controlá-lo e direccioná-lo para nossos próprios propósitos”. (GIDDENS, 1997: 219)

 [3] “E, em certo sentido, isso realmente ocorreu: as perspectivas cognitivas foram, na verdade, muito substancial e dramaticamente reformadas. Entretanto, a forma emocional da tradição foi deixada mais ou menos intacta”. (GIDDENS, 1997: 86-87)

 

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